A graça do segredo

Uma nova política sem mofo, quarada sob a luz e o calor do sol.

Temos instituído, ainda que veladamente, que cobrar por informações produzidas pelo Estado produz menos crise do que oferecê-las de graça. Mas pode o país que institucionalizou o lobby, assinou o Freedom of Information Act (FOIA) – a lei que garante o acesso a documentos governamentais para qualquer um, independentemente, inclusive, de nacionalidade – e carrega sobre o andor de sua 1ª Emenda imensa parte de seu orgulho civilizatório, considerar crime a oferta pública e indiscriminada de opiniões do Estado? Não sem constrangimento. O que fazer diante do açoite que a liberdade deu no monopólio estatal do lobby?

Segredos abertos, diplomacia língua de renda, imprensa sem ímpeto investigativo, negócios com pessoas e países com os quais não se deveria fazer negócios, sigilo da autoridade sobre sua opinião a respeito da liberdade de expressão. E uma certa Justiça maleável tanto em países autoritários como liberais – que papelão anda fazendo a Suécia! – produz a ira do Estado contra o vazamento de informações oficiais. Talvez pela política andar meio indiferente aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade que definem o caminho da administração pública eficiente.

Jane Kirtley, Professora de Direito e Ética dos Meios de Comunicação em Minnesota, na página da Embaixada dos EUA dá a chave para abrir o cofre das informações do governo de seu país a partir do estatuto federal por ele criado em 1966, para se defender das acusação de que manipulava informações sobre a guerra do Vietnã.

Inserida no princípio geral da transparência (que está no artigo 5° da Constituição brasileira)  outra lei, a do “Governo sob a Luz do Sol”, determina que certas agências federais  conduzam suas deliberações em público.

A FOIA criou um direito de acesso a documentos existentes mantido pelo governo, departamentos, comissões regulatórias e empresas de controle estatal. Tudo que é solicitado ao cidadão é uma simples carta, dirigida ao órgão em questão, “descrevendo razoavelmente” os registros procurados.

A FOIA requer que os órgãos concedam ou neguem uma solicitação dentro de vinte dias úteis. Eles também estabelecem diferentes filas para processar pedidos simples e complexos. Não preciso dizer ao governo quem sou, ou por que preciso dos documentos  a não ser que esteja pedindo uma isenção da taxa, processamento acelerado, ou acesso a registros que contenham certos tipos de informação pessoal.

São nove as isenções às quais os órgãos governamentais podem recorrer. Incluem segurança nacional, regras e práticas internas da agência, memorandos internos da agência, segredos comerciais, documentos que se tornaram secretos por outras leis, alguns tipos de documentos policiais, documentos bancários, dados sobre poços de petróleo e gás, e registros contendo informação que, caso divulgada, poderia causar uma invasão injustificada de privacidade. Essas isenções não são obrigatórias se o interesse público tiver maior peso relativo que algum dano causado pela divulgação.

Tal acesso a documentos oficiais ajuda a manter o governo responsável junto aos cidadãos, pois é o dinheiro dos impostos que permite a coleta dos dados. Todos os argumentos contra o acesso aos registros oficiais têm algum apelo. Mas a aplicação ampla das exceções baseadas nesses argumentos pode permitir ao governo esconder informações que o público precisa ter, incluindo provas de má conduta de autoridades. Eis minha síntese do que diz a Professora Kirtley.

O funcionário do governo que vazou as informações ao WikiLeaks, certamente querendo desestabilizar o governo Obama, queria ver aplicado, sem exceção, o sagrado princípio da liberdade de expressão, ainda que com má fé. E acabou alertando a todos sobre a força e a leviandade que cercam a palavra oficial mundo afora.

O mundo exige uma nova autoridade que seja capaz de dizer em público o que anda dizendo em particular. Uma política sem segredos. Transparência é o segredo de graça, publicidade é a graça no segredo.

Paulo Delgado é Sociólogo

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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