Esperas Intranquilas

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 25 de março de 2012.

Mas afinal, o que é a “França Histórica” por trás do radicalismo político da atual campanha eleitoral para eleger o próximo presidente da República?  Uma nação tacanha, asséptica e refratária ao mundo, ou é aquela que talvez mais tenha contribuído para a institucionalização e universalização dos mais caros valores da humanidade? A eleição é uma caixa de ressonância de sentimentos e os líderes das pesquisas nem sempre se dão conta dos subterrâneos que movimentam. Num mundo regido por pesquisas de opinião, os candidatos não perdem tempo convencendo as pessoas, eles apenas exploram o que já sabem de seus temores, preconceitos e sua ignorância. Num ambiente otimista, eleições são uma verdadeira feira de vendedores de ilusão, onde as melhores razões e intenções se confundem rapidamente com as piores. E quando o pessimismo reina, o pior do sentimento humano fica a céu aberto e os candidatos passam a ser sombrios compradores da desilusão do povo.

Todo mundo sabe que os imigrantes, se reunidos em único lugar, formariam a população de um dos maiores países da Europa. Na França, o problema dos estrangeiros é mais antigo e sempre mal resolvido. Embora insistam em contratar estrangeiros, para serviços que os franceses não querem mais fazer, deixam sempre a impressão de que isso é insuportável. E as primeiras vítimas do fracasso das políticas do Estado são sempre eles, como se vê agora, nessa radicalizada campanha eleitoral.

Para conquistar eleitores a moeda de troca é a promessa do conflito, do ódio, da nomeação clara de um culpado. Seja quem for, o próximo presidente terá trabalho para desconstruir o cinismo eleitoral e construir um discurso sensato que lance novas luzes na terra do iluminismo.

O mais visitado país do mundo é o maior país da Europa ocidental, terceiro orçamento militar do mundo, maior exército da União Europeia, assentado em sólida base atômica. País que na maior parte de sua história esteve do lado dos que manobram os outros, viveu trágicos momentos em que foi manobrada e que não imagina mais ver repetir. Uma celebridade entre as nações, tão segura de si, a França parece desprezar as dificuldades que sempre existem para manter o posto de destaque. Assim foi em relação à bela e sonora língua francesa, ultrapassada por um inglês prático, norte-americano, que dominou o mundo como língua franca e comum, e virou praticamente um esperanto, a língua universal com que sonhou Lazarus Zamenhof.

A descoberta da França é feita de várias maneiras por gente de todo o mundo e é muito bem organizada há mais de cem anos por uma corrida de bicicletas no verão. O Tour de France é uma prova para superação de limites, inclusive para o orgulho nacional. O campeão da primeira volta da França foi um italiano que, quando menino, saiu de seu país, à pé, até a Bélgica para limpar chaminés. Já naquela época os franceses culpavam os italianos pelos baixos salários, pois estes aceitavam trabalhar por qualquer preço e há casos trágicos de massacres contra imigrantes.

Importar estrangeiros e parecer não gostar deles é uma forte tradição francesa. Por isso, não são convidados a se integrar e acabam vivendo como minorias nacionais isoladas. Ainda hoje, nos subúrbios feios e superpovoados de Paris, a reação aos estrangeiros usa as mesmas leis da época da guerra da Argélia e os filhos e netos de imigrantes são chamados de escória por políticos e Ministros. Italianos, portugueses, espanhóis, árabes e africanos ajudaram a limpar e construir a França tanto quanto as populações da Bretanha, Borgonha, Pirineus, Normandia, Languedoc e Provença ajudaram a manter Paris sempre poderosa. Mas os erros do Estado continuam distribuídos como culpa e preconceito: aos estrangeiros, com violência; aos provincianos com, desprezo.

País de forte dependência de guias espirituais e intelectuais, é disseminada a ideia de que a França se basta. E quando seus políticos revelam seus preconceitos é o país que se deixa  revelar por eles.  O que se viu essa semana em Toulouse é que o racismo e a xenofobia, presentes no discurso político, alimentam o terror. O  assassinato de árabes e judeus, inclusive crianças, por um fanático, mostra que a campanha pela presidência está longe de significar uma espera tranquila pelo direito de governar o povo que se guia pelos princípios da Liberdade, Igualdade e  Fraternidade.

A esgrima eleitoral irresponsável também é culpada por expor os franceses a ferimentos físicos. E as reservas e rancores que os candidatos têm demonstrado em relação aos estrangeiros, certamente contribuem para aumentar os ferimentos morais revelados por uma campanha que anda abertamente racista.

Paulo Delgado é sociólogo. Foi deputado federal.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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