Paulo Delgado responde a Noam Chomsky

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O deputado Paulo Delgado (PT-MG), secretário Executivo de Relações Internacionais do PT, respondeu na sexta-feira, dia 5, ao manifesto divulgado pelo jornal de esquerda de Londres Socialist Resistance, que critica o PT por considerar passíveis de expulsão parlamentares que votarem contra as reformas do governo Lula. O manifesto foi assinado por intelectuais como o lingüista norte-americano Noam Chomsky e pelo cineasta inglês Kean Loach. “Os senhores sabem que para ser tolerante é preciso saber o que é intolerável. E no PT, hoje como sempre, o debate é livre e as posições partidárias são construídas a partir do choque de idéias”, afirma a carta.

Leia a íntegra da carta:

Prezado

Dr. Noam Chomsky

e demais signatários

“O legado é pesado e o tempo foi curto”

Em relação ao manifesto divulgado pelo jornal Socialist Resistance, segundo o qual o PT estaria sinalizando para a esquerda mundial que “perdeu a sua orgulhosa tradição de democracia, de pluralismo e tolerância”, gostaria de esclarecer o que segue.

Os senhores sabem que para ser tolerante é preciso saber o que é intolerável. E no PT, hoje como sempre, o debate é livre e as posições partidárias são construídas a partir do choque de idéias. Engana-se no entanto quem pensa que o PT é uma academia ou um grêmio recreativo. Pelo contrário, é um partido que muito se orgulha de sua democracia interna e também de sua unidade de ação.

Para tanto, ao longo da história, o PT sempre assegurou o mais amplo debate interno, seguido da compreensão de que a posição aprovada pela maioria seria obrigatoriamente a posição do partido. Foi assim em nossos primórdios, quando em 1985 a base do partido decidiu que seus deputados não iriam comparecer ao colégio eleitoral que elegeria Tancredo Neves, por via indireta, presidente da República. O PT tinha, na época, apenas oito deputados, três desobedeceram a decisão do partido. Os três foram expulsos.

Em 1993, Luiza Erundina, ilustre ex-prefeita da cidade de São Paulo, a maior autoridade pública até então eleita pelo PT, aceitou entrar no governo do presidente Itamar Franco, como ministra da administração, contra a posição expressa do Diretório Nacional. Foi punida com uma suspensão do partido enquanto continuasse no posto. O PT não confunde, portanto, democracia interna com falta de coluna vertebral. Se hoje somos a principal força política do Brasil é porque tivemos o mérito de combinar democracia interna com a defesa da democracia como valor universal e com a compreensão de que não existe partido sem unidade de ação. Liberdade de opinião sempre, não estado fugaz de avacalhação.

Para nós, a liberdade não é como o mar aparentemente sem limites. A liberdade em partidos democráticos como o nosso é a partilha e a aceitação coletivas dos limites. O PT não é um país, ele é parte do sistema político de um país que é pluripartidário. Provavelmente, nossos dissidentes, tradicionalmente partidários de punições exemplares dentro partido, sonham com a barbárie de um partido único. O PT prefere a pluralidade.

Consideramos que é malicioso e calunioso tentar confundir o funcionamento de um partido transparente e democrático com o ambiente político vigente sob a ditadura. É natural que fique no PT quem concorde com nossas políticas. Como é natural que, num país dirigido pelo PT, todos tenham o direito de fundar os seus próprios partidos. Mas não é leal ficar dentro do PT para combatê-lo sistematicamente, se auto-intitulando guardiões da virtude petista. Nesse sentido, os expulsos de 1985 foram corretos. Em lugar de usarem as punições para se apresentar como vítimas, filiaram-se a outros partidos.

Os quatro parlamentares atualmente passíveis de expulsão estão claramente tentando se passar por vítimas, quando em verdade são agressores da unidade interna, embora tenham todo o direito de expressar suas opiniões, dentro e fora do PT, como vêm fazendo. Preferem oferecer uma oposição tão míope quanto desleal à política do governo do PT. Talvez porque não tenham propostas a fazer nas circunstâncias atuais da política brasileira, investem cegamente apenas no desgaste do partido perante a opinião pública. Felizmente sem sucesso. Eles vivem a vertigem da liberdade sem responsabilidade, amaldiçoando as dificuldades e quem as enfrenta.

É importante ressaltar que a emenda constitucional da previdência, já aprovada na Câmara, e em fase adiantada de tramitação no Senado, nada tem a ver com pressões do FMI. É um imperativo de justiça social e deriva de projeto adotado pelo PT há mais de 10 anos, que visa criar uma previdência básica universal e abre a possibilidade de previdência complementar para todos.

É impossível fazer qualquer comparação entre a previdência brasileira e os sistemas europeus. O sistema brasileiro é um monstrengo e é difícil imaginar que alguém possa se apresentar como de esquerda no Brasil e ser tão preservacionista nessa questão.

Para se ter uma idéia, o Regime Geral de Previdência, no Brasil, que assiste os 21.100.000 aposentados e pensionistas que trabalharam na iniciativa privada, recebeu em 2002 como subsídio, do tesouro da União, 17 bilhões de Reais. Enquanto, no mesmo ano de 2002, o subsídio do tesouro, para financiar aposentadorias e pensões dos 952.000 ex-servidores da União, foi de 23 bilhões de reais.

Uma projeção oficial indica que, sem as alterações apresentadas pelo governo Lula, esse subsídio, em 20 anos, alcançaria 304 bilhões ao ano. O que certamente provocaria o colapso do sistema bem antes deste prazo. Além disso, é preciso considerar que 57% dos trabalhadores brasileiros não dispõem hoje de nenhuma cobertura previdenciária. A reforma proposta pelo governo Lula procura justamente incluir esse contingente excluído.

Isso mostra que os dissidentes do PT fizeram um grande barulho contra a solidariedade entre os servidores públicos para garantir uma Previdência justa e digna para todos. O PT respeita os servidores públicos e está consciente de que a grande maioria sabe em que direção estamos trabalhando.

Caros amigos, o PT não prometeu milagres e não está realizando milagres. Temos no entanto a profunda consciência de que fomos capazes de afastar a economia do Brasil de um colapso iminente, que não serviria a ninguém, nem mesmo aos nossos críticos. Estamos seguros que mantemos e executamos nossos profundos engajamentos originais com a transformação social e com a liberdade, no ritmo e no rumo adequados neste momento.

Através da liderança do presidente Lula, o PT foi se construindo passo a passo, não alimenta ilusão com o intempestivo nem com a diferenciação a qualquer custo, fatores que produzem em parte da esquerda obsessão pela prescrição infalível e o medo de incorporar a massa do povo ao desenvolvimento. Tarefa que parte da Europa e os Estados Unidos já realizaram a um custo social e histórico altíssimo para todo o mundo. E que é mantido até hoje pelo feroz protecionismo e egoísmo de direitos restritos que constrangem nosso desenvolvimento como país e está na raiz destas incompreensões entre aliados.

Atenciosamente,

Deputado Paulo Delgado (PT-MG)

Secretário Executivo de Relações Internacionais do PT

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Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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