Temer e o inusual

Temer e o inusual

O Globo – 3 de Abril de 2017.

Tudo, em nosso país, parece não ser suficiente. O oposicionismo é uma ideologia, a identidade política se alicerça na revanche, o litígio a mais barata de nossas manias.

O barulho da política penal ofusca o dia a dia da recuperação econômica. O rumor e o atrito entre os Poderes bloqueia a inteligência em relação à compreensão do que seja o principal.

O sucesso de um país se deve à predominância da monotonia presente num princípio básico: só é possível produzir riqueza a partir de relações econômicas, políticas e sociais estáveis, adequadas, regulares e conhecidas. E, nações como a nossa, só avançam, e continuam jovens, se não perderem o sentido de urgência. A autoridade brasileira dispõe de tempo para desperdiçar e acredita que o mundo está assentado esperando o Brasil chegar.

O que mais caracteriza a crise política e econômica brasileira é a velocidade e a extensão de autoridades envolvidas, inclusive as investigadoras, quando são levianas.  Há, por parte da elite do Estado, um claro abandono da imaginação moral para enfrentar desafios que a sociedade requer. Nenhum poder está em condições de exigir para si uma quantidade exagerada de atenção. Extravagâncias e trapaças andam distribuídas por todas as capitais.

Especialmente quando comparamos com a vida privada onde sabemos que não é possível à família ou à empresa fazer o que quiser de qualquer jeito. Na vida pública deveria ser impossível a qualquer autoridade poder fazer qualquer coisa de qualquer jeito. O erro paralisar o vigor e a energia do país para crescer.

Mas, mesmo que ainda não haja outra política o Brasil parece querer alguma coisa diferente do que está dando errado. Lula, o primeiro líder populista de origem popular, se continuar sem autocrítica deveria oferecer ao Brasil um período de silêncio. O contrismo recorrente bloqueia a decência analítica, impõe um raciocínio binário a tudo, leva qualquer mudança a ficar sob baixíssimo reconhecimento. A regra de combate do período anterior não foi superada: a política como operação ofensiva, a astúcia como talento, o movimento sem reflexão, a crítica é um desacato. Quando tudo é política, no que dá !!

Só que o Brasil precisa mesmo é de inteligência e estruturação. Retirar a demagogia do exercício do poder. Avançar com contenção deveria ser o slogan da transição.

O que anda ocorrendo com o presidente Temer é que, embora faça um governo de boa contextualização parlamentar – foi a origem da crise que exigiu esse semiparlamentarismo que ele pratica – não consegue visibilidade social correspondente. Mas ninguém pode negar que é alta a gestão da coalisão política disponível que o presidente opera no Congresso.  Depois de 15 anos de um legislativo caricatura do executivo, e menor tutelado do judiciário, contraditoriamente, o campo minado em que opera a Lava Jato fez o passado se infiltrar no presente como febre benigna. E acordou o parlamento para sua prerrogativa.

Mas há uma novidade na crise atual que assusta o status quo. Um fato inabitual na política brasileira: o governante impopular se dispor a corrigir os erros e omissões de governo popular.

 

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PAULO DELGADO é sociólogo.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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