Pronunciamento do Deputado Paulo Delgado

Registro a opinião do primeiro-ministro da França, Dominique de Villepin, publicado hoje, 29 de junho, no Jornal Lê Monde.fr em Paris, Frankfurt, Madrid e Zurich, intitulado “Uma nova Europa política”.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a Europa está em crise. E, entretanto, nunca os povos europeus expressaram com tamanha força sua esperança de ver construir-se uma Europa dos valores e da vontade, capaz de responder à sua exigência social. Fiel à história de nosso continente e à nossa visão do futuro, a França quer avançar com eles na via traçada por Jacques Chirac.

Por todo lado à nossa volta, os Estados se organizam para tirar o melhor partido da globalização e para fortalecer suas posições estratégicas. A Índia se aproxima da China; o Brasil, a África do Sul e outros países emergentes realizam entre si um terço de seu comércio exterior e defendem coletivamente suas posições no âmbito do G-20; os países da América do Sul desenvolvem seus laços econômicos: nós não podemos permanecer à margem desse grande movimento de reorganização do planeta. Nós devemos estar em condições de defender nossos interesses políticos, econômicos e sociais em melhores condições, juntos e solidários.

Trata-se de um imperativo para nosso crescimento e nossa segurança: diante da ameaça terrorista, diante do risco de proliferação biológica, química ou nuclear, diante da imigração clandestina, somente uma resposta coletiva.

Trata-se de um imperativo para nosso crescimento e para nossos empregos: só a pressão coletiva européia nos permitiu reduzir as importações de têxteis chineses.

Trata-se de um imperativo para a orientação do nosso futuro: os investimentos de pesquisa são muito pesados para serem suportados por um só país.

Tornarmo-nos ou permanecermos os melhores no campo da saúde, da indústria agro-alimentar, dos materiais de ponta, da aeronáutica supõe dispor de nossos recursos em comum.

Trata-se, enfim, de um imperativo pela defesa de nossos valores: a democracia, os direitos do homem, a diversidade cultural são traços fundadores de nosso projeto em comum. Devemos poder afirmá-los em alto e bom tom.

Hoje não podemos eludir as escolhas. Quer nos demos os meios para construir essa nova Europa política, que se expressará e agirá no mundo de amanhã, quer nos resignemos a fazer de nosso continente uma vasta zona de livre-comércio governada pelas regras da concorrência. Cada qual deve sair da ambiguidade para a ação. Para sustentar essa nova Europa política, necessitamos de projetos ambiciosos e concretos.

Primeiro projeto: a governança econômica européia. A Europa é hoje a primeira potência comercial do mundo. Em alguns anos, doze estados-membros – entre eles a França – criaram uma moeda estável e protetora: o euro. E, entretanto, nossa taxa de desemprego se mantém em nível elevado.

Eu proponho, portanto, a abertura de um diálogo entre o Eurogrupo e o Banco Central Europeu para definir, no respeito da independência do BCE, uma verdadeira governança econômica européia para os países da “zona euro”. Em apoio a esse diálogo, sugiro igualmente que examinemos juntos os grandes desafios econômicos a que a Europa se acha confrontada: diante da alta do preço do petróleo, por exemplo, será concebível que não tenhamos ainda uma reflexão comum sobre a gestão de nossas reservas estratégicas?

Segundo projeto: a agricultura. Em alguns decênios, ela tornou a Europa independente em matéria de abastecimento agrícola, fez dela a segunda potência agrícola do mundo e lhe deu um poder econômico considerável.

No momento em que o problema da alimentação adquire dimensão cada vez maior para o conjunto do planeta, devemos fortalecê-la, buscando sua adaptação. Os consumidores europeus querem saber de onde vêm seus produtos alimentares, que cadeia de produção e distribuição seguiram. Eles querem estar certos de não se depararem com problema de abastecimento em tarifas competitivas nos próximos anos: somente a política agrícola comum nos permitirá superar esses desafios do futuro.

Terceiro projeto: a política de inovação e de pesquisa. Não há, de um lado, os antigos adeptos da política agrícola comum, de outro, os modernos que defendem a estratégia de Lisboa. Nós estamos todos voltados para o futuro: a implantação do reator de pesquisa ITER, em Carache, o demonstra. Mas, porque eu meço quanto os trunfos europeus nos domínios da física, das matemáticas ou da química não são suficientemente explorados, proponho a criação na França de um ou dois institutos europeus de estudos e de tecnologias. Estes institutos reunirão nos mesmos locais os melhores pesquisadores internacionais, laboratórios de pesquisa, empresas inovadoras. Eles estarão abertos a todos os Estados europeus que o desejarem. Na França, decidimos criar pólos de competitividade que permitirão reagrupar competências de alto nível mas ainda esparsas: por que não tomariam eles uma dimensão européia?

Quarto projeto: a segurança européia. A cooperação policial, as trocas de informação sobre o terrorismo, os controles de fronteira formam a base de uma Europa da segurança interna cujo G-5 é a ponta de lança: a Alemanha, a Grã-Bretanha, a Espanha, a Itália e a França avançam nessa área a partir de projetos concretos. Sobre a defesa, os progressos obtidos nesses últimos anos devem servir de base a cooperações ainda mais estreitas. Nós temos uma estratégia comum, temos meios em comum, nós asseguramos em conjunto a estabilidade das zonas que acabam de sair de conflitos mortíferos como o Afeganistão ou Kosovo. Estamos determinados a avançar ainda mais.

Quinto projeto: a democracia européia. Nós temos necessidade de sustentação dos povos europeus. Há muitos anos, nossa identidade se constrói na adesão a valores comuns: a liberdade e a solidariedade, o apego às normas do direito internacional, a exigência da preservação de nosso meio-ambiente.O intercâmbio de estudantes por meio do Programa Erasmus reforça esse sentimento que prepara a emergência da democracia européia. Ele permanece entretanto limitado a um número restrito de pessoas. O próprio serviço voluntário europeu acha-se ainda embrionário, posto que alcança apenas 4000 jovens por ano.

Eu proponho então abrir com nossos parceiros europeus uma reflexão sobre a criação de um verdadeiro serviço civil europeu, que daria a cada jovem europeu a oportunidade de se engajar no campo humanitário ou da segurança civil em outro país. Os povos europeus jamais estiveram tão próximos. Diante da França e da Alemanha, eles querem que seus dirigentes estabeleçam um acordo, em lugar de ceder aos egoísmos nacionais, que encontrem soluções, em lugar de se contentarem em propor questões.

O presidente da república francesa abriu o canal com o Conselho Europeu de Bruxelas, aceitando um compromisso sobre o orçamento, como havia aceito um compromisso sobre a PAC em 2002. A Europa não deve curvar-se, mas se colocar de forma resoluta em posição de iniciativa. Nossos povos querem uma nova Europa política, atenta às suas dificuldades, bem como aos problemas do mundo, dotada de uma capacidade de agir, de uma consciência e de uma moral.

A Europa tornou-se hoje o laboratório das novas idéias políticas, econômicas e sociais do mundo. Deixêmo-la expressar-se. Com ela a história recomeça.

Era o que tinha a dizer e solicito a V. Exa. incorporar ao meu pronunciamento na tribuna feito agora a pouco.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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