Indústrias Criativas
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 7 de Abril de 2013.
A luta principal no mundo econômico não é mais pelo arsenal militar como parece. Nem a competição acionária das Bolsa de Valores expondo a gangorra das fortunas virtuais. A guerra mundial para valer é vender novidade sem ensinar a pensar. E seu front é a batalha diária por consumidores de conteúdo e produtos para diversão e lazer. E o consumidor a que se destina não precisa se envergonhar de não saber quase nada a respeito do que está por trás do que adquire. Ele está mudando de planeta sem se dar conta. A maioria dos países também não tem condições de conhecer o que está acontecendo, ou não faz questão de dominar o conhecimento do que vem embrulhado nessa mercadoria recheada de princípios e códigos culturais.
Na velha Bombaim, conhecida agora como Mumbai, na Índia, produtores de filmes e programas de televisão comemoram a compra de uma parte do estúdio americano da DreamWorks, de Steven Spielberg e prometem partir para cima de Hollywood com seus 1,2 bilhão de habitantes vaidosos e seguros de sua cultura e valores milenares. Não esperam superar os norte-americanos, mas estão certos, imbuídos da calma budista, que o povo que só pensar em dinheiro vai submergir como nação.
A responsabilidade ou a irresponsabilidade pessoal, pela história e o futuro da vida de cada um, divide pessoas, famílias, governos e nações. Pouca alma, muito power point anda por aí formando e deformando gerações de jovens que acabarão sem ter muita coisa a defender com conhecimento de causa. E a grande ironia é que os mais destacados produtores dessa mundialização de conteúdos são justamente os jovens. Abnegados construtores de uma cultura do segredo a garotada inventiva põe a mão na massa e passa por cima do que está na frente. Quem quiser acompanhá-los com suas novidades corre o risco de não fazer mais nada na vida a não ser comprar e testar novos produtos e sucessos. Contribuindo de maneira direta para entupir mais ainda de dinheiro os Bancos da Inglaterra, França, Japão e Estados Unidos que apertam o cerco em cima de seus novos negócios no mundo do cinema, música, lazer, celulares e internet. E o segredo desse dilúvio de novidades não existe somente por razões comerciais, mas – quem sabe ? – por motivações políticas e morais. Uma das estratégias é divulgar como moderno e ultramoderno as pessoas ocupadas com a “última moda”, acostumadas pela falta de tempo a não desconfiar de nada. Cada vez mais isolados e irritantes são os que sonham e se movem pela crítica e a contraintuição.
Qualquer um pode decidir enfrentar os problemas que a velocidade da mudança dos costumes impõe. Mas a maioria prefere deixar tudo para trás e embarcar na onda dos personagens e das tecnologias que superam a imaginação e que são muito maiores, pensam, do que as simples questões da vida diária. Em todos os países, cada vez mais, todos acham que cinema, música, teatro, internet, celulares, jogos e todo o mundo da eletrônica e da informática são apátridas, sem nacionalidade, destinados ao mundo onde ninguém diz “não”. Um mundo de ação, interação, onde não se fala para alguém, mas através de alguém, saturado de informação, sem necessidade de obtê-la através de diálogo.
Basta passar pelo comercio e encontrar nas prateleiras e lojas os melhores livros, as maiores vendas, os filmes imperdíveis, as músicas inesquecíveis, e todas as tolices endereçadas aos guetos intelectuais, raciais, sexuais, eclesiais, ideológicos e etários. Muitos se surpreendem com o que parece ser uma coincidência de desejos, gostos e privações aproximando o indivíduo do mercado. Poucos se dão conta que até a doença passou a ser criada antes mesmo do doente; a ideia da alegria antes da alegria mesma; a noção de felicidade substituiu a própria felicidade. A indústria do entretenimento é um mundo que aparenta ser socialmente mais diversificado do que o mundo da economia e da renda. Mas, mascarada com nomes e produtos diversos, visa a homogeneidade , combinando ilimitada ambição estética e comercial com limitado significado moral. A resposta a isso é a fúria do consumidor ludibriado, do espectador desinformado, do leitor frustrado, do fã decepcionado , do usuário enrolado. Que reage, usando a regra contra a frustração, dos que compram gato por lebre : siga a máxima para os produtos perecíveis, “não dê a nada uma segunda chance”, seja um filme, livro, música, show, celular, redes e sites , internet, rádio, televisão.
Mas há uma cilada à vista: sem nenhuma crença no valor da instrução e sem limite para o abuso da autoexpressão e da autossuficiência as pessoas, cada vez mais, ficam desabituadas umas das outras. E podem se esquecer do que se passa no mundo de gente de carne e osso.
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PAULO DELGADO