Orçamento Fantasma

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 28 de Abril de 2013.

A crise econômica que explodiu em 2008 expôs e resultou em dificuldades para os bancos exercerem suas atividades de financiamento. Os países que detinham algum controle mais firme sobre seu setor financeiro doméstico, e dispunham de bancos para operar diretamente, ficaram satisfeitos por poderem atuar com mais decisão e impacto e, assim, procurar garantir a manutenção dos investimentos em suas economias. Nessa história da crise atual, aliás, onde as autoridades monetárias injetaram dinheiro no sistema financeiro para solucionar a crise, só aquelas que tinham braços estatais no sistema bancário podiam garantir que o recurso chegaria rapidamente à economia real. Bancos comerciais públicos foram uma via, mas bancos de desenvolvimento (BD) foram uma via ainda mais direta.
Diversos são os tipos de BDs mundo afora, mas o fato é que essas instituições, que muitos julgavam (e julgam) ultrapassadas, voltaram como vingança durante a crise, e chamaram a atenção para o papel que podem desempenhar na economia atual, para bem e para mal. Num contexto em que as pessoas estavam assustadas e iradas com o resgate de bancos privados, a apreensão quanto ao crescimento do gasto público via bancos públicos foi compreensivelmente anuviada. O pensamento corriqueiro se afirmou: se é para o contribuinte ver comprometido seu dinheiro em aventuras bancárias, que seja direcionado para políticas públicas, mesmo que o meio utilizado sejam entidades privadas.
Teoricamente em países capitalistas essas instituições existem para sanar falhas de mercado. Mas há outros que acreditam que o mercado é uma falha. O desafio para o primeiro grupo é ficar dentro do limite dessas falhas, tão difíceis às vezes de se definir, e não se tornar, ele próprio, um fator de desestabilização. Por isso mesmo que BDs não estão em todos os países, e há uma expectativa de que tenham papel transitório na vida das sociedades. Desenvolvimento nesse sentido é uma transição, não uma atividade infame que nunca se conclui nem larga do pé, e do bolso, do contribuinte. No máximo, necessidades de desenvolvimento, e de financiamento para o desenvolvimento, poderiam migrar de um setor a outro, de acordo com a dinâmica econômica. Todavia, não apenas há países que não enxergam isso dessa forma como usam qualquer crise para aumentar o papel do financiamento público. E aí, o fato é que BDs podem até ajudar a formar a riqueza das nações como podem, muito bem, serem instrumentos para construir e paparicar fortunas privadas.
Isso vai da China onde o governo tem o monopólio do setor financeiro e o PIB per capita é apenas 20% do que tem os EUA, até países como a rica Alemanha, onde o setor financeiro é dividido entre público e privado (lá quatro dos dez maiores bancos são públicos) . Dos países da OCDE, a Alemanha é, por sinal, aquele onde a presença estatal no sistema financeiro é a mais marcante.
Se há uma coisa que unifica oriente e ocidente é que o motor desses dois países é a mentalidade mercantilista. Para tal o financiamento público vai ao alvo, se dirige a inovação e exportação, como a luva veste a mão. Mas que não haja engano, ser mercantilista não é fácil não! Porque se todos os governos fossem sábios, ninguém seria.
Qualquer que seja o modelo, o sucesso da presença pública no setor financeiro é sempre dúbio. Na verdade, os bancos públicos alemães estavam altamente expostos a ativos tóxicos e necessitaram de resgate após a crise. E o tamanho dos bancos chineses, se ainda é orgulho, já é preocupação no país que começa a se dar conta da força do setor privado para definir prioridades públicas.
Bancos de desenvolvimento estão em alta também por oferecerem aos governos enorme margem de manobra para escolher vencedores sem ter que discutir muito com a sociedade ou o parlamento suas decisões. Os alemães, com sua sinceridade luterana, chamam de “orçamento fantasma” do governo o dinheiro que seus bancos públicos movimentam.
Enciumada com a história alemã e assustada com o sucesso chinês, ou vice-versa, o fato é que a França criou o seu no fim do ano passado dotando-o, já no primeiro ano, de orçamento maior do que o da Defesa. Seu Banco Público de Investimento foi uma das principais promessas de campanha de François Hollande. Se o banco servirá para resolver os problemas da dinamização da economia ainda é uma dúvida, mas pelo menos foi útil para resolver um problema da consciência culpada de Hollande. Ségolène Royal, sua ex-mulher, que foi descartada da segunda disputa com Sarkozy, em virtude da derrota de 2007, foi nomeada vice-presidente e porta-voz do Banco. Como o espírito de manada não tem ideologia, do outro lado da Mancha, o Reino Unido de Cameron criou também seu BD, o Banco Verde.

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PAULO DELGADO 

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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