Ricos Exemplares

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 9 de Junho de 2013.

No longo trabalho que é viver nem todos se destacam da mesma maneira. “O preço que a sociedade paga pelos resultados da lei da competição, assim como o preço que ela paga por confortos e luxos baratos, é enorme; mas as vantagens provenientes dessa lei são ainda maiores”. Assim, o plutocrata Andrew Carnegie resume sua ideia sobre o enriquecimento de alguns em seu texto sobre “riqueza”. Depois de discorrer de forma sucinta e clara em páginas embebidas de conceitos evolucionistas – altamente em voga no fim do século XIX –, misturados à moral cristã dos não-místicos, sobre o que ele pensava serem os deveres dos que conseguissem ficar ricos, apresentava a sua visão filantrópica.  Sua fórmula de equacionar o senso de justiça do enriquecimento privado, para que tal fato seja realmente benéfico para a sociedade, é até bem simples e compreensível. Carnegie sugeria no seu “evangelho da riqueza” que “o homem que morre rico morre em desgraça”. O industrial, por trás do maior império do aço no período de franca expansão da economia americana, resolveu sua equação propondo que a riqueza acumulada privadamente deveria ser gasta com bens públicos, “dando de volta o excesso de riqueza para seus concidadãos nas formas mais bem calculadas para causar neles benefícios duradouros”.

Carnegie acumulou sua riqueza sendo um patrão impiedoso e pode-se tranquilamente discordar de sua lógica. Mas o fato é que o milionário viveu à risca o que pregava e doou em vida a maior parte de sua riqueza, deixando também para a posteridade fundações dotadas de largos recursos. Mais de 1.600 bibliotecas públicas foram construídas em cidades americanas com fundos do filantropo. Às bibliotecas somam-se museus, centros de pesquisa, fundações e uma infinidade de iniciativas, principalmente ligadas à educação, financiadas com doações e ativas até hoje. A formulação e a prática de Carnegie de espalhar dinheiro foram a apoteose de um modo de pensar básico do capitalismo americano que ficou inculcado na psique nacional de tal maneira que a ele juntaram-se muitos outros.

Em tempos recentes, de crise e desigualdade social, alguns observadores apontam para o fato de que essa desigualdade vem nascendo, em parte, porque mudou a atitude dos milionários e bilionários do país, que passaram a viver vidas cada vez mais nababescas e fúteis, e a relegar a um segundo plano a devolução para a sociedade, na forma de bens públicos, das riquezas que acumulam. Num país onde alguém ficar rico é um orgulho para toda a sociedade, é um contrassenso não distribuir um pouco do que se tem.

Mais importante do que o fato do Carnegie Hall, em Nova Iorque, ser um dos mais distintos prédios da megalópole americana, o que impressiona a quem viaja país adentro é a constatação de que as bibliotecas Carnegie são comumente os prédios mais bonitos e valorizados de inúmeras cidades americanas. Se as bibliotecas Carnegie são um símbolo do primeiro grande estirão do capitalismo americano e sua lógica, é interessante constatar, quem vai ao interior da China, que são as escolas os mais distintos e centrais prédios de boa parte das cidades. Na América Latina, essa distinção hoje fica com shopping centers e revendedoras de automóvel.

A comparação entre China e EUA, os dois líderes do mundo atual, é porque toda a discussão de Carnegie passava pela ideia de que a responsabilidade pública dos ricos era uma forma eficiente de garantir a boa alocação dos recursos.  A experiência chinesa, que vem se distanciando do comunismo desde a década de 1980, é em parte um elogio à superioridade do capitalismo como modelo gerador de riqueza e prosperidade, mas é também a reafirmação de quais são as prioridades que impulsionam o desenvolvimento de um país. Seja no capitalismo liberal de Carnegie, ou no capitalismo de Estado chinês, o excedente, reinvestido no período da própria geração, em bens públicos, garante o sucesso futuro. Para Carnegie, a fortuna acumulada em vida, e que não fosse retornada à sociedade através de benfeitorias, deveria ser altamente taxada na ocasião da morte do milionário, para que o Estado compensasse em obras a “vida indigna do milionário que se manteve egoísta”.

A cultura americana de fundos de caridade e filantropia é tão ampla e consequente que, olhando com atenção, você os encontra por trás de inúmeras e relevantes ações e fundações. Especialmente em universidades e outros centros de pesquisa. É muito dinheiro privado que serve para avançar a ciência, espalhar o conhecimento, promover ideias que moldam o debate americano e mundial; e também para saber o que se pensa mundo afora. Quem não procura maneiras melhores de ser rico, certamente não acha.

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PAULO DELGADO 

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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