EUA–ÁFRICA, UMA BOA NOTÍCIA
Estado de Minas e Correio Braziliense – domingo, 10 de Agosto de 2014.
Para muitos ele demorou mais do que o que se esperava desde quando jurou sobre a Bíblia que pertencera a Lincoln. Para outros, chegou o dia em que Barack Obama mostrou-se capaz de reorientar a estratégia política e econômica americana para a África. Atribuir caráter primordial de interesse econômico à parceria entre seu país e a região simplifica algo que gerações complicaram por deturpado paternalismo.
Por trás do modelo de encontro no qual Obama recebeu quase 50 chefes de Estado e governo africanos em Washington, está a divisa da cifra e do negócio. Embora não dito às claras, para não melindrar o já bastante tenso cenário político do país, bastou a maciça presença e o protagonismo de líderes industriais nos três dias de evento para mostrar o que se quer promover. Um avanço sensato que tem tudo para fazer melhor ao continente do que décadas de relacionamento em que a parte africana não era tratada como parceira de negócio, mas como alguém a quem se faz um favor.
A defasagem americana acumulada nos últimos anos na região é tão grande que nem a destinação de dezenas de bilhões de dólares anunciadas por empresas dos EUA na semana que passou coloca o país mais rico e poderoso do planeta na primeira posição quando se trata da África subsaariana. Aliás, o comércio do país com a região no total ainda é menor do que o com o Brasil, como não esqueceu Obama no evento com jovens empreendedores.
A iniciativa inédita de um encontro de tamanhas proporções de certa forma tenta reproduzir o Fórum China-África que em 2006 levou 35 governantes africanos à Pequim. Não apenas a China, mas também outros emergentes como o Brasil assinam contratos sem cláusulas comportamentais, ganhando preciosos espaços nesse continente que, sendo a última fronteira de enorme desenvolvimento potencial, pode vir a ser o mais fértil solo para ganhos corporativos. Isso sem falar no peso do apoio político dos 55 Estados do continente, que foi decisivo, por exemplo, a favor das pretensões brasileiras de assegurar Roberto Azevêdo no comando da OMC.
Na semana de seu aniversário, o presidente norte-americano trouxe finalmente seu capital pessoal de filho de queniano à tumultuada mesa de negociação que organiza interesses em área de muitas riquezas e desnecessárias tristezas. Encontro para celebrar novos horizontes onde os problemas do continente não puderam ser deixados de lado e Obama soube equilibrar isso. Por exemplo, o ebola na Guiné, Libéria e Serra Leoa eram incontornáveis. Os presidentes dos dois últimos, inclusive estão entre os que desfalcaram o encontro, já que às voltas com a mortandade que assola seus países. Rastro de morte que vem em grande parte por conta de um déficit educacional crônico. A população local se infecta por conta de hábitos higiênicos e alimentares insalubres e de uma desconfiança generalizada sobre as atitudes de seus governos e de agências internacionais que atuam para controlar a epidemia. Muitos escondem cadáveres em casa induzidos por noções religiosas e conspirativas tão fortes até hoje.
Melhoria institucional e educacional é parte uma da outra. Transparência, império da lei, direito de propriedade, responsabilização das lideranças, são todos valores que podem ser difundidos na presença de um bom ambiente comercial. Mas não devem ser impostos nem se tornar impedimento para difusão de tecnologias e conhecimento. É bom para o mundo que a comunidade internacional esteja presente na África, e os Estados Unidos faziam falta por lá.
A boa globalização existe e deve juntar liberdade, autodeterminação, comercio e tecnologia como atestou o cientista Nicholas Negroponte, fundador do Laboratório de Mídia do MIT, quando confirmou que a simples distribuição de tablets para crianças pobres em comunidades isoladas da Etiópia teve efeito fascinante sobre o desenvolvimento de suas capacidades cognitivas. A possibilidade de aprender é inata; e a tecnologia está aí para trazer à tona toda a engenhosidade humana. Da mesma forma, a capacidade de avançar econômica e institucionalmente existe em todas as sociedades; a cooperação externa por meio de negócios razoáveis é fundamental para acelerar a maturação dessa qualidade.
Superar a carência pela convivência com a fartura e ter o olho em um mundo melhor é o que deve orientar qualquer investimento na África. Abrir novos horizontes, oferecer outros exemplos de convivência econômica. Assim sempre foi a história de todos os países : a partir do momento que passaram a conviver com trocas internacionais comerciais mudou o destino das suas relações sociais. Comercio, riqueza e paz podem ser a mesma coisa.
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PAULO DELGADO é sociólogo.