Observe o Canadá
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 19 de Fevereiro de 2017.
Não há maior abismo atual entre os democratas do que a noção de “direitos”. Os dias estão exigindo perícia para viver no mundo de autoridades distribuidoras de direitos e crises. Mas há um país que não se volta para ele como se tudo fosse perfeito, ou imperfeito, eternamente. O Canadá tem razões que a própria razão desconhece.
“O problema com a ficção é que ela faz muito sentido. Enquanto a realidade nunca faz sentido”, assim Aldous Huxley, começa um de seus livros. Huxley foi dos melhores críticos da liberdade ordenada, o mundo dos que nutrem ódio pela história e incineram no cidadão a memória do passado. Era o ano de 1970 quando Pierre Trudeau, o charmoso Québécois que seduzia os moderninhos da política, viu-se forçado a determinar a aplicação da lei marcial no país que governava. A ação veio em resposta ao sequestro e assassinato de político da província de Quebec. Fato precedido pelo sequestro de um diplomata britânico. Atos de terror feitos em nome de um Quebec Livre, francófono, fora do guarda-chuva da Commonwealth. A partir dali o apoio ao movimento separatista, autor dos atentados, caiu e foi ao fim. Até hoje o Canadá tem rainha, se chama Elizabeth II, a mesma do Reino Unido.
Na última quinta-feira, Justin Trudeau, atual primeiro-ministro canadense discursou no parlamento europeu. Tal qual seu pai, Justin é um colírio para fãs, agora totalmente globalizados, contentes ou não com a globalização. Entretanto, o clima público durante a semana em Estrasburgo não era favorável ao triunfo do jovem canadense. A ocasião decorreria da aprovação do Acordo Amplo de Economia e Comércio entre Canadá e União Europeia, conhecido como CETA.
Nos dias precedentes a tal decisão, manifestantes ocuparam as áreas em torno do estranho prédio Louise Weiss, sede do Parlamento Europeu. Proposital ou ato falho, difícil não pensar como é duvidoso o gosto de quem escolheu esse prédio, que mais parece a imagem da Torre de Babel, saída da arte de Pieter Bruegel, para sede de reuniões políticas, de múltiplas línguas, seculares soberanias. Seria a União Europeia e a atual globalização uma Babel? Afinal, é o que pregam seus inimigos. Enxergada como tal, em que as diferenças das línguas e culturas sobrepõem-se aos interesses sadios comuns, difícil prosperar. Ferida de morte na própria concepção arquitetônica a U.E sobrevive.
Trudeau, o Jovem, vendeu com entusiasmo a ideia de que o acordo entre Canada e U.E. servirá de minuta para acordos de livre comércio daqui para frente. Mas alertou que, ou o acordo é percebido como funcional para uma maioria, ou é dos últimos a serem aprovados democraticamente.
Dos 74 eurodeputados franceses, apenas 16 votaram a favor do Tratado. Trata-se do país que mais rejeitou o aumento do livre comércio com o Canadá. Mais curioso ainda é fato da votação ter sido vastamente favorável ao CETA. O que amplia os sinais de esgarçamento do posicionamento francês na construção política do futuro da União Europeia. A adorable Paris ao virar às costas ao liberalismo, que a fez sedutora, alimenta o apetite do senhor do escuro que ronda a democracia mundial. Os mais entusiasmados com a proposta foram os pequenos Luxemburgo, Eslováquia, Romênia, Estônia e Croácia.
O Canadá é por várias razões um país ideal para fazer essa relevante ponte internacional em um momento em que muros são elevados e há o refugo dos EUA, sob nova administração, ante à Parceria Transpacífico.
Assim, merece elogio a política de imigração do Canadá, a mais proativa do mundo. O país busca regularmente atrair indivíduos e famílias que tenham o perfil previamente definido. Necessário na economia do país e capaz de se adaptar à cultura e ao ambiente local. Ainda que países não sejam firmas, uma boa dose de pensamento sobre a importância estratégica de recursos humanos ajuda. Não só a sedimentar a importância de educar o cidadão nacional, como também o de trazer de fora pessoas que querem e podem melhorar suas vidas e a realidade local. Todo país no Novo Mundo foi criado assim e abandonar isso é apagar da memória nossos avós.
Refugiados são também uma das populações que melhor se direcionam para o Canadá. Grande parte deles chegam ao país, inclusive, através de patrocínio privado de firmas, famílias e pessoas que mantêm o Canadá na vanguarda de tais ações.
Trabalhar para a paz exige buscar menos a perfeição das utopias. A experiência do gelado Canadá mostra que isso é possível. Mas é bom lembrar que pode bem deixar de ser. Especialmente se o mundo insistir nessa vida de colmeia teleguiada, onde todos buscam de forma egoísta todos os direitos como forma de se libertarem de todos os deveres.