A ELEGÂNCIA DA DESCRENÇA

A ELEGÂNCIA DA DESCRENÇA

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 6 de agosto de 2017.

John Kenneth Galbraith dizia que dois tipos de pessoas fazem previsão: as que não sabem e as que não sabem, que não sabem. Mas o que fazer quando decisões precisam ser tomadas sob condições de incerteza? Previsões ajudam a diminuir a crença na sorte. Normalmente as mais esfuziantes são as que apostam em mudança da realidade política. Isso porque, como reflete o bilionário americano Howard Marks, “se você prevê que algo não irá se alterar e de fato acaba não se alterando, dificilmente tal previsão te trará muito dinheiro. Mas antecipando com sucesso uma mudança pode ser extremamente lucrativo”. Ou seja, há menos lucro, mas mais elegância na descrença.

A grande característica das últimas décadas é que a riqueza cresce e se multiplica numa engenharia forjada por um capital transnacional em um mundo em que ainda existem estados nacionais. O capital é transnacional, mas o ser-humano (trabalhador, político e eleitor) é nacional. A divergência de interesses é patente, mas a coexistência é forçada. Uma importante característica atual é o nomadismo superconectado complementado por outros fatores de mudança. O poder não é mais o que era e as regras do jogo estão passando no moedor de carne.

O caminho da integração mundial (e social) é por um lado utópico e, por outro, no que há de prático, ainda tem um longo caminho a percorrer. Todavia, é crescente a necessidade de integrar os nômades sem descaracterizar a vida local. Tal é o que deve ser refletido. Pois nisso igualam-se grandes corporações, destacados políticos e personalidades, assim como todos os cidadãos que caoticamente se enfurecem e querem partir, acreditar, enriquecer, sem qualquer previsão do que virá. Mundo de agregações e desagregações dinâmicas.

Da crise de 2008 para cá, a máquina se ajustou relativamente rápido, mas continua seguindo acelerada sem pé no freio. O mesmo Howard Marks ressalta, em seu mais recente memorando, de dez dias atrás, a investidores de sua firma Oaktree, que mundo a fora continua a gastança, vilipendiando conceitos básicos de sustentabilidade e lógica. Um tempo mais longo de conserto seria também o tempo propício para se alterar os trilhos. Só que apenas se sabe para onde não se quer ir. Vida de negação, sem proposição, é ineficiente. Assim, se o destino natural é repelido por crises e oportunidades, acertar para onde se vai exige muita atenção. Em tal cenário os conflitos se amontoam e sua resolução só é possível com aquisição de informação, previsões, confiar desconfiando.

Alguém cria um jogo; empresarial, político, social. Automaticamente deseja ter parceiros. Eventualmente percebe-se que quanto maior o número de participantes melhor. Há então um esforço para propagar a decisão. A desconfiança entre os que não são do ramo é grande. Então, nesse caminho de convencimento é fundamental deixar claro que o jogo não é viciado. Que basta aplicar e bem dominar suas regras que, com engenhosidade, pode-se bem vir a ganhá-lo. A adesão cresce e novos participantes passam a superar não só as expectativas, mas superam também os próprios donos da ideia. A competição produz uma gana que muitos aproveitam para virar a mesa, mudar de lado. No curto prazo parece ousadia de heróis, no longo prazo, ganância de vilões.

Tudo isso se insere em uma lógica antiga. O mundo das nações que tem pretensão de potência é um mundo de competição, onde o primeiro passo é econômico. O aparecimento de gigantescos novos atores em um mundo cada vez mais facilmente percorrível, traz à tona uma reedição do velho mercantilismo. É claro que em nova roupagem, pois é preciso se encaixar, ou desviar menos das regras internacionais estabelecidas. Mas o fato é que Estados agem buscando hegemonia econômica e demonstram eficiência ao fazê-lo. Fica difícil justificar para o cidadão por que seu país não faz também.

A emergência do leste asiático através de uma bem-sucedida simbiose estado-sociedade-empresa é gritante, mas é também de difícil replicação. Por outro lado, a ideia de que o mandato das instituições públicas deve se estender de modo a guarnecer o setor produtivo nacional é mais manejável e amplamente aceito. Mas deve fazê-lo para a competição inovadora, não para acomodação.

Enquanto isso, a crença e o imprevisto usam um brasileiro embrulhado no poder forte, caro e nada brando do dinheiro. Ao usar a coerção econômica para bancar a maior transação de jogador de futebol da história, e entregar perto de bilhão de reais para o Paris Saint-Germain, o fundo de investimento do Catar, emirado árabe isolado e acusado de terrorista pelos seus vizinhos, espera que a França tire a Arábia Saudita de seus calcanhares.

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Paulo Delgado é sociólogo.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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