O PENÚLTIMO MOMENTO
O Estado de S. Paulo – 10 de janeiro de 2018.
Formar opinião própria e ter alguma independência crítica ajuda a não entrar desamparado nas eleições. Como a maioria do eleitorado desconhece o futuro presidente não chegamos ao último momento.
O Brasil conta com um brasileiro livre e desimpedido para deserdar a nação do instinto político que consolidou o sistema governamental predador que nos divide. Ainda não governou a República o herói de todas as épocas; os mais populares não foram modelo de pureza. Precisamos grandeza de espírito e amplitude de consciência para extirpar o azedume que ronda a eleição. Objetividade: olho nos políticos espertos capazes de juntar pessoa desonesta e personagem honesto. Observe a escandalosa sinceridade na mistura ruim dos dois.
A crista da sociedade, por onde surfa o mundo político, é muito frágil. Anda torcido e retorcido, em reciclagem automática, pelos mesmos atores que produzem a disfunção da política e da justiça. Uma saudável anomalia, juntando os que não estão dentro com os que querem pular fora, pode surpreender. Continuaremos à flor da pele se a política, como a marginalidade, insistirem em contornar a equação justiça e dever com motim, caravana ou entrevista.
A razão política deveria se realizar pela singularidade do bem se impondo sobre a negatividade do mal. Tudo que explode na nossa frente não é história. História é o que nos ultrapassa. É urgente um novo encantamento, nova perspectiva. Para isso é preciso perder algumas ilusões na funcionalidade de instituições demolidoras sem controle sobre seus membros. Implodem o edifício dá má fé, preservam o terreno para erguer o da má consciência.
A cidadania tutelada, concedida à sociedade hipnotizada, deu à honestidade a aparência de uma rosa enferma. Por isso o impulso da política para a corrupção aumentou, misturado aos mecanismos estatais de transparência. A honestidade, para uso de uma personalidade falsa, não é um desastroso papel a desempenhar, como seria para a pessoa real de natureza honesta.
O bom sentido que deu origem aos órgãos controladores, se não envolver o controle externo do “controlador” estatal, é um falso ideal. Fiscalizadores que não são fiscalizados jogam um jogo duplo entre o limpa-fossa e a água contaminada. A aposta no mal aumentou e inundou todos os setores com o horror macabro que une legislação, regulação, controle e comando judicial, policial e advocatício. O que parece mais divulgado e limpo, sem controle social, pode estar é mais funcional e sujo. Pois ao mesmo tempo todas as redes da ilegalidade revigoraram a estruturação de seus negócios no período. Contracheque de juiz, patrimônio declarado de político, emenda parlamentar, obra pública, privilégios, tudo pode ser desonestamente transparente. O impostor percebeu que ética pública esterilizada é um modismo de fada politizada que esquece o papel do calor provinciano para atrair mosca. E como a ética privada foi adormecida na sombra da simpatia pela pitoresca luxúria do governo popular, a sociedade passou a dançar miudinho na mão do falso moralismo do Estado. O labirinto é a realidade e, é ele, que dá fôlego a corrupção. Quem for piedoso com esse modelo é um niilista. Quem dele for crítico é um otimista. Quem gosta da política não pode compreender o inaceitável.
Os entusiastas do controle, da purificação dos costumes, destruíram todo o sonho e a imaginação da sociedade para a boa determinação que a cultura política autônoma tem para a mudança. Com os quatro governos da dinastia de Luiz – que deixou de observar insubornavelmente os problemas do governo e se tornou imperdoavelmente afrontoso com o futuro do país -, ocorreu que “o máximo de confusão somado ao máximo de ordem parece um cálculo sublime” (Humberto Eco, O nome da rosa).
Não é incomum um país entregar seus sonhos nas mãos da pessoa errada. “A mais secreta cilada pode atingir o inventor, e a perfídia está voltada, muitas vezes, contra o autor” é um alerta antigo, muito útil para compreender o que se passa conosco. Usuários da liberdade cínica excitam a política ao rancor, dispensaram a admoestação, insultam a lei.
Líderes monopolizadores, cujo hábito é falar mais do que conversar, não sabem a hora de parar. Na política não pode haver afeição estacionária. É um nonsense continuar político quem produz evidências que sustentam uma mentira e acha melhor não falar logo a verdade.
2018 pode não ser o pântano que precisamos atravessar. Um longo trecho cercado de apelos traiçoeiros. Pode sim ser ultrapassado esse tempo onde tantos presunçosos, na economia, na política, na moral, enamorados de si, impuseram ao país tantas sentenças, leis e princípios que precisamos de calma e perspectiva para abolir esse baralho de cartas viciadas. Até agora o cenário não dá nenhuma prova de que será distinta da recorrente disputa grosseira, entre quem derruba mais garrafas de uma vez.
TRF-4: Para ele tudo neste processo tem importância, menos o crime. A sociedade sonha mais do que a política fantasia. Mas é muito maior o poder que tem um político para emprestar a si mesmo uma personalidade fictícia do que tem a sociedade para viver fora da realidade. O desastre é quando a natureza da pessoa derrota o idealismo do personagem. O cenário marcante do desequilíbrio entre a grandeza da imaginação social e a limitação da imaginação política é a lei. E a lei é um mal tempero para a fantasia. A saga de um idealismo frustrante, que não pode mais possuir ou dominar, o mortifica. Adorna o processo com a afetação da política, supondo cortejar o castigo com ameaças. Quer marcar, com outro poder, um limite de identidade. Precisa anular a justiça como entidade concorrente com seu desejo. Pois foi esta a condição com que estruturou a força do seu governo. Subjugar todos, marcar o cenário da superioridade onde sua realidade ficou oculta pela sua fantasia. Só que a justiça descobriu a excessiva realidade da sua fantasia.
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PAULO DELGADO é Sociólogo. Co-Presidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio/SP.
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1 Comment
Mais uma vez brilhante . Claro limpo . bem humorado show