OS NÓRDICOS
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 29 de abril de 2018.
Senso de justiça, liberdade individual e valores compartilhados. Variáveis complicadas de se combinar em uma equação. Mas, se há uma região que conseguiu fazê-lo com maestria, ela é a dos países nórdicos. Os dois primeiros abordados neste artigo de hoje, mais Finlândia, Islândia e a Dinamarca, em seguida. O resultado tem sido contente prosperidade de sociedades que não odeiam o Estado; de Estados que respeitam e temem a sociedade.
Educação pública universal de qualidade e sistema de saúde integral capaz de garantir vida longa e velhice protegida são os pilares mais conhecidos. Confiança no governo e nas suas principais instituições, como a polícia e a política, se somam. Mais do que apenas sucesso, se trata de uma história de esperança e de alento. Porque nem sempre foi assim. Eram países pobres, com problemas sociais graves até recentemente.
Um século atrás não havia confiança, pois a democracia, onde havia, era falsa. De forma sobretudo pacífica, mas com batalhas nas ruas, sob o signo da época onde havia sedução intelectual ser socialista. De fato, progressistas, que entraram no poder pela porta da frente para mudar a qualidade da vida em sociedade. Ocorreu, em cada um dos países, ampla substituição da classe dirigente, acusada de incompetência e ligada ao subdesenvolvimento reinante. Ao apearem a classe dominante, os nórdicos não colocaram regimes autoritários no lugar, muito pelo contrário. Ampliaram fortemente a democracia. Uma democracia real, com valores simples, baseada em uma utopia extremamente pragmática. As pessoas precisam ser educadas e saudáveis para que possam produzir o máximo possível da forma mais eficiente. É do interesse coletivo da nação investir no sucesso e na segurança individual. A insegurança e o insucesso econômico e social de parte da sociedade comprometem toda a sociedade. Baixa diferenciação econômica e alta homogeneidade social têm grande impacto no que eles conseguiram atingir. Todavia, isso não deve ser exagerado.
Seguem duas fotografias do que se passa por ali, no momento.
Noruega: O povo, que se entende como uma nação de reclamadores, vota historicamente na esquerda e investiga, constantemente, como políticas públicas podem melhorar cada vez mais a qualidade de vida. Nesta década de 2010, a reclamação e o espírito crítico não mudaram, mas puniram consistentemente a esquerda. Nas duas últimas eleições, o povo colocou no governo o Partido do Progresso, que anima a militância com causas anti-imigração e islamofóbicas. Até então, o seu teto não é muito alto, em torno de 15% a 20% dos votos, mas o suficiente para se acomodar dentro do governo. A outra agenda abraçada pela legenda é a de conceder votos para as pessoas nos diferentes lugares em que elas tiverem propriedade. Ou seja, quem mora em Oslo, mas também é dono de uma casa de campo, votaria em ambas as eleições, retornando o voto a uma modalidade vinculada à terra e à renda. Os desenrolares na Noruega mostram que nem tudo são flores por ali.
Curiosamente, trata-se do dinheiro mais fácil da riqueza escandinava. Baseada em óleo e gás, a abastança do país combina um quê de emirado encravado numa das regiões mais progressistas e humanamente avançadas do mundo. Acostumou-se, portanto, com uma política de dois pesos e duas medidas. Duplicidade que talvez explique parte de suas truculentas e frágeis apostas, ainda que minoritárias.
Suécia: O sueco Dag Hammarskjöld foi um dos mais emblemáticos secretários-gerais da ONU. Serviu no período que, no Brasil, corresponde à parte final do último mandato de Vargas até o fim do governo JK. Semana passada, num ato inusitado, o atual secretário-geral, António Guterres, reuniu o Conselho de Segurança numa fazenda sueca que pertenceu a Hammarskjöld. Entre outras razões, o simbolismo do encontro mirou em saudar o exemplo sueco de responsabilidade e solidariedade ante os maiores desafios internacionais atuais. É notório que a Alemanha e a Suécia — na falta de uma política europeia clara, e da omissão dos grandes EUA e o Brasil — têm carregado nas costas a crise migratória, oriunda de Oriente Médio e África, da forma apropriada.
Outro farol da relevância diplomática sueca é o seu papel a ser desempenhado nas delicadas tratativas envolvendo as duas Coreias, os EUA, mais as duas potências regionais implicadas na crise coreana, Japão e China. Mais uma vez, o Brasil poderia estar colaborando muito mais caso deixasse de ficar ensimesmado, achando, equivocadamente, que os seus são os maiores problemas e mais espetaculares tragédias do mundo. Os maus hábitos somente são vencidos com generosidade. As nações, assim como as pessoas, muitas vezes mais se ajudam quando buscam ajudar quem verdadeiramente precisa mais do que elas. (continua)