O ardil do terror
Nenhuma habilidade no uso da opinião esconde o insulto que é procurar explicação para o terror. Comprar sua versão no mercado da liberdade para desadmirar Israel poderá ser o maior feito do Hamas, se a indolência das nações democráticas continuar vestindo a roupa do interesse bordada com implicações morais. Qual o sistema político formulado pelo fanático? Somente um, o fanatismo.
A autoinvenção do terror quer reverter a seu favor a história do povo mais estigmatizado da Terra. O circo da acrobacia ideológica quer ser pró-palestina com sentimentos antiamericanos e antijudaicos. Num mundo de palavras doentes e verdades escondidas, a crônica da guerra não é boa. Reforçada pela diplomacia enlanguescida que não culpa o Hamas pelo caos, prejudica o Estado Palestino e humaniza o terror para recebê-lo na irmandade dos civilizados.
Quando o filósofo Jean-Paul Sartre criou o grupo Socialismo e Liberdade para organizar a resistência da França contra a ocupação nazista, convidou o escritor André Malraux para se unir a eles. Mudou a forma de agir ao ouvir do grande humanista e futuro ministro da Cultura de Charles De Gaulle: “O que precisamos para combater Hitler são tanques russos e aviões americanos, não um grupo de intelectuais bem intencionados”. A ação conjunta dos Aliados contra o terror pôs fim à Segunda Guerra Mundial.
Em todo conflito há vilões e mocinhos, mas neste o ardil pega-trouxa do Hamas se superou ao arrastar parte do mundo para limpar sua sujeira.
A exclusão tem um importante papel na ordem do mundo e dar atenção a grãos de verdade no meio da força do absurdo ajuda a história da amizade. A crônica do conflito atual parece querer legalizar o desacordo para distribuir por dois a autoria. Certo fizeram a França e o governo de Berlim, que proibiram manifestações antissemitas e passeatas de glorificação da violência. Sem líderes firmes e argutos, a paz é uma panela de pressão sem válvula de escape.
Em que lugar estamos na hierarquia do sofrimento? O que temos para dar e não podemos nos separar? Tem sempre algo para odiar no mundo. A desigualdade é um axioma e uma ONU corporativa finge não saber que cada hora tem sua própria honra. Não há como dar de ombros à bagunça do fanático. Poucos países nasceram para o que se exige deles. A maioria dá sempre um jeito de fazer o que lhe custa menos. Contra o terrorismo, barato é pedir a paz aos dois para esconder a rédea frouxa dos princípios.
Quando Osama bin Laden, no distante ano de 1996, da caverna de Tora Bora, nas montanhas do Afeganistão, com um turbante branco, vestindo colete militar sobre túnica branca, determinou com base na lei islâmica (fatwa) uma intifada contra os EUA, a inteligência do Pentágono não viu naquilo um levante – antes, a caricatura de um homem primitivo. Em novo vídeo, acrescentou o Ocidente e Israel aos seus propósitos. Cinco anos depois, no 11 de Setembro, jatos modernos, em atentados simultâneos, mostraram a ruína da soberba diante da maldade humana.
O que se esconde por detrás da indignação, inveja ou revolta que atormenta e aflige judeus e palestinos são sempre reminiscências, angústias e tristes lembranças de vinganças e injustiças. Fantasmas teológicos e políticos minam a relação entre pessoas e países, espectro evocado por quem só conhece o curvar diante deles. Não fosse o retrospecto simplório que nomeia injustiçados cativos diante de opressores e relativiza figuras nefastas ao longo da história, o mal seria bem conhecido. A ideologia é uma jaula emocional que não compreende o presente-agora que deve ser tratado como crime.
Decidir sem distinguir, entupir de negação, é o sentimento principal que inspira a má política. A discórdia permanente dos homens é sempre em relação a si próprios. Apoiar o Hamas é como ver romanos aplaudindo os leões. O fanático não é da estirpe do corajoso nem está à altura da história majestosa dos monoteísmos da região.
Dois belos povos irmãos e vizinhos. O Oriente Médio precisa urgente de um Martinho Lutero, tanto quanto os católicos precisaram outrora. Não é possível continuarem a aceitar que fanáticos armados interpretem o ânimo de Maomé. Os judeus, em suas diásporas, aprenderam a decifrar premonições com o luto e estão sempre em estado de alerta, à espera de estarem errados. Muitos cristãos também souberam entender as profecias e puderam andar rumo ao futuro.
Certamente, hoje os versos Rubaiyat, de Omar Khayyam, seriam condenados pelos dogmas oficiais islâmicos. A política que sustenta o terror esquece o que a argila diz ao oleiro: sou barro como tu, modela devagar, meu companheiro. Khalil Gibran ansiava ver a tolerância chegar aos intolerantes. Edward Said teve o sonho de criar uma força democrática e independente para a causa palestina, sem OLP e Hamas. Sua visão do mundo árabe como “um”, e não como “outro”, como vê o Ocidente. Amóz Oz, então, Pantera no Porão, admirável em sua luta pela Paz Agora e a solução de dois Estados.
As democracias vão acabar derrotadas pela violência e o crime, se o mau continuar desfraldando com desfaçatez a bandeira dos bons.