Brasil-EUA: a Hora dos Moderados
Nenhum país está, hoje, no auge de seu triunfo. Muitos começam a pagar as dívidas próprias da velhice de seus sistemas econômicos e de poder, entregues ao esporte em que se transformou a divergência partidária e ao funcionamento personalista e repleto de privilégios das instituições do Estado. Trata-se de uma velhice inamável, que revela a fuga da audaciosa ajuda do destino e da fortuna e leva ao silêncio daqueles que vivem pelos próprios meios diante de bravatas que sugerem que ter força é reinar pelo ato de agredir.
Sob o domínio do flash, a combinação de coragem política equivocada com circunstâncias econômicas adversas leva o mundo a uma regressão em que tudo se expressa em termos pessoais. Com exceção da China, que sempre negociou a seu modo, nenhuma das nações líderes apresenta-se astuta no modo de se inserir no novo sistema internacional.
Os EUA foram pegos de calças curtas, como um rico esgotado que não se renova e que, por soberba, levou o dólar a ser considerado um privilégio exorbitante — para ficar na notável crítica de Valéry Giscard d’Estaing, que fica cada vez mais atual —, e não um bem público internacional. A Europa, por sua vez, perdeu o charme com o divórcio do Brexit, que lhe tirou o primeiro violino: o Reino Unido. O Brasil, país que pouco valoriza orquestra, não acha importante estudar bem sobre como se posicionar melhor diante dos desafios do século 21.
Nossa matriz mais criativa continua algo que deriva de ao menos três vertentes afloradas: o tambor da ira partidária, que não respeita limites; o mal-informado egoísmo ambientalista, que por vezes busca canonizar nossas riquezas acima do próprio povo; e a vaidade da justiça que despacha melhor na televisão.
Até aqui, todas as nações, a seu modo, estão negociando e cedendo a algumas das pressões do governo estadunidense, pois ele controla a oferta, praticamente monopolizada, de serviços nas “nuvens”, hoje seu maior bem. Por isso, a falta de antevisão tecnológica não será resolvida pelo reforço do patriotismo comercial. É apenas onde chegamos com tantos governos desligados ou pessimistas, que se dizem surpreendidos com a lógica selvagem do interesse possessivo que domina o poder econômico.
E a batalha das tarifas é a mesma dos impostos, esse gigante pré-histórico presente em Estados perdulários que gastam mais do que ajudam a produzir e avançam sobre todos para manter sua saciedade. Assim, para o Brasil, o que temos para hoje é com o que temos que trabalhar, sem ficar presos às configurações políticas com que a publicidade pinta líderes como vítimas da atual gestão da Casa Branca.
Apesar de as taxas de Trump causarem problemas a empresas de setores específicos, com ampla exposição ao mercado dos EUA, o fato de parte desses produtos — como carne e café — ficarem no Brasil tende a pressionar a inflação para baixo, mesmo que não muito.
Mais importante ainda é lembrar que 88% das exportações brasileiras vão para países que não os EUA. E, por conta das negociações lideradas pelo governo e empresários brasileiros, 44,6% das exportações para os EUA — em valores — ficaram isentas dos 40 pontos percentuais extras de tarifa. Assim, apenas cerca de 6% do total exportado pelo Brasil ao mundo sofre diretamente com os abusivos 50% de tarifas estadunidenses.
Não vivemos em um mundo coerente, nem existe mais um centro político influente. É um mundo de extremismos, onde até a expansão dos BRICs — que ia bem — pode azedar por razões políticas, como a equivocada incorporação do Irã, país que há décadas é governado de maneira ostensivamente violenta. O enterro dos moderados foi longamente preparado pela desescalada emocional dos dirigentes diante da redução do nível de expectativa dos Estados, provocada pela distorção da identidade econômica das nações frente à competitividade predatória trazida pela tecnologia.
A política não é tudo. Parece que os líderes movidos pelo desejo de transcender os limites da condição humana não sabem disso. Original e extravagante, o líder moderno sonha com a dificuldade, produz ou deseja a crise para instrumentalizá-la em benefício próprio. Tais traços de um comportamento quase mitológico revelam o desejo de impor princípios de gestão autoritária e de voltar a definir fronteiras de costas para a globalização.
O mundo vive arranjos complexos para que o comércio prospere, o combate à criminalidade seja eficiente e a riqueza possa ser distribuída com justiça. Nada disso será melhor resolvido se o pau de sebo das metas eleitorais, que produzem maiorias políticas, não decidir governar com moderação e estabilidade. Hoje, o como fazer é mais importante do que o quê fazer.