Ambições antiocidentais no mundo
O mundo é cada vez mais rico de mobília e mais pobre de amizade. Não há região onde a mescla entre política e inimizade esteja fora de moda. A desordem é maior do que a ordem quando o corpo político é dispensado de princípios e só exige tutela e correspondência. Guerras são o fim da política. Por isso são antecedidas de extremos morais e discriminação.
A política virou uma atividade dogmática movida por esforços compulsivos, humores orgânicos de quem baila bem entre a astúcia e a ofensa, atraindo especialmente quem inscreve a divergência – e muitas vezes o ódio – na vida e no luto da defesa de ideias. Serve pouco ao progresso conflitos motivados por alergias, impaciência, valorização de um ponto de vista único.
Mas Deus salve a Europa se não houver mais necessidade de ninguém fugir de um país ao outro. Região historicamente belicosa do mundo que cansou do baile dos sectários e assistiu ao esgotamento das pretensas teorizações, princípios e desejos que levam a conflitos que poderiam ser evitados. Região que decidiu não dar mais valorização excessiva ao espírito de revolta e de defesa de fronteiras por ver virtude maior na superação das barreiras que impedem a livre circulação do pensamento, das artes, das pessoas e das mercadorias.
Não é de geografia que escrevo. Região institucionalizada na União Europeia, deu um importante passo na integração pela criação de um elevado estado de espírito, o Espaço Schengen, acordo criado em 1985 nesta vila de Luxemburgo que não chega a mil habitantes. O acordo aboliu o controle das fronteiras internas de parte significativa da Europa — incluindo quase todos os membros da União Europeia, mais alguns outros países da região que aderissem ao tratado — para possibilitar a livre circulação de pessoas, bens e serviços.
Schengen foi escolhido como destino porque é o único local onde França e Alemanha — os países mais populosos da União Europeia — se encontram com um membro do Benelux, grupo formado por três países — Bélgica, Holanda e Luxemburgo — que deram início à prática de uma comunidade de nações com fronteiras abertas em meio ao fraturado século 20.
Uma política comum de visto faz com que aqueles de fora do Espaço Schengen tenham que carimbar o passaporte apenas na primeira entrada, podendo, então, seguir em frente por quase toda a Europa Ocidental, sem ser incomodado com a burocracia dos Estados estruturados nos séculos 19 e 20.
Há sinais de que o esplendor desse sonho talvez esteja se exaurindo. Tanto no Espaço Schengen, quanto ao seu redor, vemos o retorno de uma história sem utopia que a violência e a política fratricida e de ambições vãs vêm impondo ao mundo.
Neste ano, 11 países — entre eles França, Alemanha e Holanda — restabeleceram controles internos de fronteira de caráter excepcional, mas aplicáveis a todos os viajantes. Embora, em grande medida, o compromisso com a livre circulação dentro do Espaço Schengen permaneça em vigor, instrumentos concebidos como medidas de último recurso vêm sendo banalizados em escala crescente.
Pelas regras, tais controles só podem durar seis meses, mas podem ser renovados sempre que as autoridades aleguem a existência de circunstâncias excepcionais. O problema é que o “excepcional” está tornando-se rotina.
Por outro lado, também em 2025 o Espaço Schengen se expandiu, integrando a Bulgária e a Romênia, resultando no fim dos controles fronteiriços terrestres dos dois com seus vizinhos da UE. Esse movimento ambivalente entre integração e retração remete a uma tipologia clássica de Albert Hirschman sobre como a política reage diante da ordem estabelecida.
Albert Hirschman foi um dos intelectuais mais notáveis do século 20. Além de ter uma das obras mais perspicazes e honestas das ciências econômicas, o jovem Hirschman serviu na Guerra Civil Espanhola e na resistência francesa após ter sido expulso pelo nazismo de sua Alemanha natal.
Chegou nos EUA com documentos falsos, fugitivo que era do nazifascismo, após desafiar a Gestapo e ajudar centenas de antifascistas a escapar pelos Pireneus. O que será que Hirschman diria das ambições antiocidentais dos líderes atuais sufocando os valores de liberdade, democracia, cultura, razão e livre circulação que fizeram o mundo moderno?
O Espaço Schengen representou, por décadas, a aposta europeia na lealdade básica à integração e na voz da cooperação mútua, superando a lógica sectária que alimentava guerras. Sua expansão, com a adesão de Bulgária e Romênia, é sinal de persistência desse espírito. Todavia, quando as nações incitam suas tropas, deslocam navios ou fazem desfiles militares ao gosto de tiranos, os ventos de retração ilustram como os princípios ocidentais europeus correm risco de desaparecer.