A Ecoineficiência da Política

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 24 de junho de 2012.

Quando todo mundo está pensando do mesmo jeito é porque ninguém está pensando muito, diria o jornalista americano Walter Lippmann, se fosse possível imaginá-lo cobrindo a Rio+20 na Boston do inicio do século passado. É que a língua franca da questão ambiental entrou por um lugar comum tão politicamente manipulado – pelos governos, pelos cientistas, pelos ambientalistas – que não vai sobrar natureza verde para todo mundo usufruir e se dar bem.

O peso da vida humana sobre o planeta começou a preocupar os governos há muito pouco tempo. E se formos levar em conta os horizontes para um planejamento sustentável para o mundo, praticamente este não começará nunca. Em especial porque estamos vendo a cada dia que a razão não é boa aluna da natureza e a natureza não aceita tampouco que ela seja sua juíza. Para piorar as coisas, as autoridades e entusiastas envolvidos com a questão não se dão conta de que antes de querer salvar a sua natureza deveriam pelo menos saber que só temos uma. Assim, como ninguém vai aprender o que acha que já sabe, é uma ilusão de ótica querer entender a Rio+20 pelo lado dos fatos. É melhor basear sua atenção na boa e velha esperança e encarnar na pele o velho papel de cidadão inconformado e desejante para entender o papel velho do governante conformista e depressivo que predominou no encontro.

Nenhuma das respostas oferecidas pelo documento final destrói as perguntas do documento original que vem sendo escrito desde a ECO 92, no mesmo Rio de Janeiro, vinte anos antes. Um alerta sem foco ou direção, desconfiado da liberdade da ciência na busca de soluções; que isola a opinião divergente sobre temas essenciais como energia, clima e inovação e marginaliza o papel da cooperação do setor industrial e produtivo.

Quando, à revelia da criação de normas de mútua cooperação, é o consenso que prevalece como principal tese de uma reunião dessa grandeza, a agenda real é zero. A estratégia para enrolar o universo foi usada por todos os países. Uns não comparecendo com a força que possuem, outros aparecendo para propor adiar o importante. Mais do que à necessidade de solução urgente para os problemas ambientais mundiais, todos procuravam dar ênfase ao status quo político de dificuldades internas dos seus países. E saíram satisfeitos ao substituírem, como ocorre na maioria das vezes no mundo burocrático da ONU, a responsabilidade e o dever dos governantes pela paciência dos governados.

O cenário humano de uma Conferência da ONU é sempre o mesmo em qualquer cidade do mundo. Dele, é verdade, emana sempre um alerta de conscientização, mas que nunca é fruto de formação espontânea e desarmada, nem dos desamparados sociais, muito menos de amparados oficiais. Seu bastidor é sempre de forte movimentação e estratégias para a manutenção do poder, especialmente econômico, de todos que estão ao seu redor. De um lado, porque sempre é possível contar com a dispersão de opiniões de cientistas e suas mais variadas capelinhas, e também do gozo criativo das ONGs de todo o mundo que continuam confundindo preservação e sustentabilidade com moratória do desenvolvimento. De outro, porque não é de se desprezar a ajuda, mais do que retórica, do sempre simpático estereótipo diplomático: esse higienizador das cúpulas multilaterais, que imagina que generalidades e punhos de renda segurem a tropa de choque dos especialistas com luva de boxe que servem ao mundo real.

Só grandes mudanças de paradigma científico, catástrofes humanas, reviravoltas incontidas ou líderes visionários podem fazer história de fato. De uma maneira geral, não é difícil manter tudo como está. Basta se valer do narcisismo das pequenas diferenças, essa miséria psicológica do mundo, que é o roubo do simbolismo natural dos desejos humanos de melhoria, segurança e bem-estar pelos interesses ocultos dos líderes que querem ser adorados e predominar sobre todos. É um caso interessante em que forças intelectuais e sociais de dispersão da sociedade coexistem com forças políticas de coesão dos Estados numa identificação de propósitos e benefícios mútuos que acaba servindo aos interesses de poder de todos e que, desta vez, deu-se como paralisia. Não havendo normas a cumprir, todos voltam para casa liberados de prestar testemunho sobre suas obrigações, podendo assim ganhar tempo para aumentar sua força ou continuar refugiados em seus bons sentimentos… E, claro, colocar a culpa nos outros.

No fim prevaleceu o cada um por si, irresponsável e diferenciado. Os oceanos continuarão dos piratas; a energia atômica, prestigiada; os combustíveis fósseis, subsidiados; o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), um invertebrado sem nervos; a emissão de CO2 pelos países ricos, tolerada; a agricultura, incompreendida; a ciência e a tecnologia, inutilizadas. É a conversa fiada de sempre, ou melhor, segundo Millôr: quando eu mando em você é democracia, quando você manda em mim é ditadura.

*****

PAULO DELGADO foi deputado federal e participou da ECO-92 e da Conferência de Kyoto sobre mudanças climáticas.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *