A economia não é tudo
Capital Político – 21 de fevereiro de 2022.
Para a economia 2022 é a segunda repetição de 2020. Para a política é o primeiro ano da eleição presidencial. O que nos convida a abandonar a tese de que são estúpidos os que não consideram a economia tudo. A análise política engajada gosta de trabalhar com a ideia de situações impróprias originadas de argumentos diferentes. Para melhor ver a sucessão além das aparências uso a recordação, o que apodrece tudo. A alma dos brasileiros não está na Faria Lima.
A confusão é tanta que a gramática do Banco Central é independente de uma ciência econômica. Usa linguagem depressiva, não especializada, para bloquear o conhecimento das dificuldades que enfrenta. Diante das limitadas possibilidades puramente monetárias para agir o COPOM tenta compensar a decepção com os 2 dígitos na taxa de juros básicos – 10,75% – mergulhando em originalidade intelectual.
Na última ata de 2 de fevereiro sobre os efeitos da inflação de alimentos, combustível e energia e as tensões no mercado financeiro usa a palavra desancoragem, verbo intransitivo ligado à navegação para lamentar baixas expectativas. Poderia ser desencorajem, verbo transitivo de tirar o ânimo. E vai além na psicoeconomia, atando nós, como escravo de quem não pode se separar. Usa esmorecimento no esforço, dois substantivos ligados a psicologia para lamentar reformas estruturais adiadas como quem clama por um sentido físico e moral para a realização de desejos. Avança na psicopatia da conjuntura quando usa a locução alteração de caráter permanente no ajuste das contas públicas. Arrisca a futurologia de uma inflação prospectiva; surpreende com efeito baixista, um substantivo em música que se faz de adjetivo em economia. Para rimar, chama especulação de efeito altista. Sem fôlego, o guardião da moeda esquece a causa política da gravidade estrutural da crise fiscal.
Outra gramatica interessante é a dos grandes atropelamentos eleitorais, que são mais do que a questão econômica. Em 1989, Collor e Lula se beneficiam da irritação de Mario Covas com Sarney, a quem tira um ano de mandato, tornando a eleição presidencial solteira. Sem governador e Congresso na disputa dois azarões se impõem, desorganizadamente.
Em 1994, único caso em que a economia predominou, bastou a decisão de FHC ser candidato do Real para pulverizar os 40% de Lula em dois meses e vencer no primeiro turno;
Em 1998, a reeleição de FHC foi resultado da construção da maior coligação da história da redemocratização com PSDB, PFL, PMDB. Inaugurou as urnas eletrônicas e foi facilitada pela pulverização de 12 candidatos. FHC venceu antes da eleição e de novo no primeiro turno.
2002 foi o ano em que o partido da Polícia Federal começou a participar da eleição. Foi para cima de “Roseana Menina, Roseana mulher” e a tirou do jogo. Serra faz campanha errada como se fosse candidato a Ministro da Saude, ajudando a dar vitória a Lula. Divididos, Serra, Garotinho e Ciro fazem 52% dos votos contra 46% de Lula no primeiro turno. Lula vence o segundo turno.
Em 2006 a primeira eleição do PT governista prometia, mas Geraldo Alckmin cai na armadilha do antagonismo funcional PSDB-PT e não faz campanha de oposição e situação. Com isso, acorrentado à imagem de bom governador de São Paulo, evita o tema da corrupção no governo cedendo ao Centrão a reeleição a Lula. Sucumbe junto com Heloisa Helena e Cristovam com mais de 51% dos votos no primeiro turno. No segundo Lula retira votos de Alkmin que, de um turno para outro, perde de si mesmo;
2010 é o ano da mentira de Dilma contra Marina – candidata dos bancos pela amizade com Neca Setúbal. Serra não percebe a perfídia e a agrava a chamando de fraca. Ainda assim, os dois derrotam Dilma no primeiro turno com mais de 52% dos votos. No segundo Dilma vence fazendo do coração tripas;
2014 é a eleição da derrama e novamente Marina ameaça, mas Aécio a ataca. Divididos fazem 54,87% dos votos no primeiro turno e sucumbem à caríssima reeleição de Dilma, que obtém 51,64% dos votos no segundo turno;
Chega 2018 com a prisão de Lula, a covardia de Janot contra Temer e a facada de Juiz de Fora. Internado, Bolsonaro não recebe uma única visita de adversários. Reforça seu discurso de distante da política tradicional e apesar dos 53% dos votos dos 13 candidatos, com Haddad e Ciro na frente, fazendo mais voto do que ele, se elege presidente no segundo turno.
São 6, de 8 eleições, em que se os perdedores do 1º turno tivessem se unido e levassem os eleitores juntos, venceriam do vencedor do 2º turno. E como o petismo nunca foi majoritário é possível dizer que, sempre, é a divisão do antipetismo que faz o PT vitorioso. Não é a economia, estúpido!