A Hora Zero
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 3 de Junho de 2012.
A Europa tornou normal a prosperidade quando soube como ninguém ancorar o capitalismo no Estado previdenciário. E não foi só. Tornou secundários conflitos nacionalistas, abriu fronteiras, acolheu estrangeiros, unificou trocas econômicas em torno de uma moeda única. Depois de ver morrer em seus países mais de 30 milhões de pessoas na 2ª Guerra Mundial, decidiu e construiu, em menos de 40 anos, um continente conciliatório. Nada parecido com a onda de intransigência que a crise econômica atual derrama sobre seus governantes. De novo, diante do pessimismo dos sem memória, esta é a hora zero da sabedoria do líder de verdade.
Para pessimistas das agencias de risco, analistas burocráticos de institutos e colunistas frequentes da imprensa internacional o aparente colapso da zona do euro vai levar à recessão global. E a confusão das análises já é tão grave quanto a crise. Com destaque para aquelas que desvalorizam o esforço heroico, de diversos países do mundo, para construir caminhos de estabilidade, distribuição de renda e mobilidade social.
O mais desalentador é ver o quadro atual se prolongar e piorar, não porque a crise econômica é grave, mas porque a vontade política é nula. A crise financeira vai fazendo aniversários como crise econômica por causa da profunda crise político-existencial pela qual passa o ocidente. O caso europeu é singular e curioso. A impraticabilidade de uma união monetária sem união fiscal é o vício de origem da zona do Euro. Sempre se soube isso. E sempre se esperou que quando o problema estourasse a união se aprofundaria. Não dessa vez. A Europa está nas mãos de líderes tacanhos.
O grande imbróglio mais uma vez não é econômico. É político. A Europa não dá sinais de querer se tornar um Estados Unidos da Europa. Nunca quis, aliás. Mas mesmo na ausência de consenso, o continente contou, nas décadas precedentes, com líderes determinados a promover a causa da integração. Há tempos ela caminha em direção ao sonho romântico de Victor Hugo. Será que o projeto não sobrevive sem a liderança inspirada de um Jean Monnet, ou o pragmatismo de quem já viveu tempos realmente ruins como François Mitterrand e Helmut Kohl ? A geração que está aí não acredita que possa haver algo pior do que uma dificuldade de crédito. Ela não entende o ganho que é ser melhor que ser mesquinho. De ser múltipla contra ser homogênea. De ser uma Europa que decide de forma coletiva melhorar a vida de todos, contra uma tragada em competições e cheia de ressentimentos étnicos.
Infelizmente, a crise é o momento encontrado não para ajustes econômicos, mas para ajustes políticos e sociais. Estão esticando a corda para além do que a boa-vizinhança aguenta. O mais desalentador é que o continente só tem a perder com menos união. Mesmo os países que tem se dado melhor “sozinhos” vão se apequenar, de uma maneira ou de outra, se o caminho da integração for abandonado.
E tudo fica mais difícil sem o surgimento de uma nova inteligência, menos tecnocrática, disposta a confiar mais no ser humano. Essa semana a chanceler Angela Merkel mostrou, em uma escola primária sua insegurança sobre a geografia do seu país. Não soube apontar onde fica Berlim no mapa do mundo. Sem problema. O grave é que nos últimos anos ela demonstra, também, não saber a posição da Alemanha nos acertos históricos que formaram a União Europeia e culminaram com a adoção da moeda única. A Alemanha só ganhou com o Euro. Mas agora, no momento de pagar um pouco, se nega a fazê-lo.
A questão é a forma como a crise encontrou a fortalecida Alemanha com a estranha propensão a permanecer na linha do passado. “Nein, nein, nein”, é a resposta praxe de Berlim e Frankfurt às demandas por uma melhor distribuição dos custos do ajuste. A Alemanha não se esforça para ser criativa. Ensimesmada, mais uma vez, esconde-se num legalismo imisericordioso.
Uma das coisas que a adoção da moeda única causou foi a concentração da produção industrial na Alemanha. Hoje mais de 40% das suas exportações direcionam-se para países da zona do euro. Claro que desmantelar a região é péssimo negócio. Mesmo assim o governo alemão calcula que sócios menores não valem muito. O pecado da Grécia é ser sacrificada como exemplo por parecer pequena aos olhos de Berlim.
Só que a régua com que medem a crise é falha. Há fatores históricos e geoestratégicos que não estão recebendo a devida atenção pelos negociadores europeus. O custo de uma Europa diminuída é muito maior do que o preço da crise que estourou em seu elo mais frágil. Uma vez separados – e comprovada a cínica teoria de que não haverá tumultos porque o continente está cansado de guerras – os países continuarão sendo excelentes destinos turísticos. Mas não influenciarão mais os destinos do mundo.
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PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal.