A lição da Venezuela
Secretário de Relações Internacionais do PT
O povo venezuelano demonstrou, pelo grande comparecimento às urnas no referendo do último dia 15, a importância da soberania e da livre participação dos eleitores no processo eleitoral que confirmou a legitimidade do governo Hugo Chávez. É uma sinalização positiva o grande comparecimento da população venezuelana às urnas, principalmente, em um momento de desilusão política construída e programada pela ultradireita daquele país. O referendo assegura a estabilização política na América do Sul e consagra também a liderança brasileira, uma vez que foi o presidente Lula quem teve a iniciativa de criar o Grupo de Amigos da Venezuela, integrado por Brasil, Chile, Espanha, Estados Unidos, México e Portugal.
A confiança na liderança do presidente Lula impediu uma intervenção internacional na Venezuela. O Brasil teve efetiva atuação para viabilizar a realização do referendo por entender que o processo democrático venezuelano fortalece a integração democrática da América do Sul e consolida o caminho da democracia para solucionar as crises em nosso Continente. E ainda fixou um princípio prático de ação política democrática para nosso Continente: quanto mais crise, mais democracia para enfrentar a crise.
A ratificação do resultado eleitoral por observadores internacionais do Centro Carter e da Organização dos Estados Americanos (OEA) atesta que agora é necessário a responsabilidade de todos os venezuelanos na aceitação do resultado das urnas e deve ser feito um esforço para que trabalhem juntos pelo presente e futuro democrático da Venezuela. O momento é propício também para o Governo venezuelano ampliar a sua base de sustentação e investir firme na luta pela reunificação do país.
Com a produção de 3 milhões de barris diários de petróleo, a Venezuela tem o status de um dos maiores exportadores do mundo, o que contribuiu para o acirramento da crise política; afinal, além do poder político também estava em jogo o interesse pelo controle da PDVSA (companhia estatal de petróleo). Foi a permanente tentativa de desestabilização do governo democraticamente eleito do presidente Hugo Chávez que levou a Venezuela à crise econômica. O resultado do referendo na Venezuela amplia a possibilidade de estabilidade do governo Chávez, que volta a ter o respaldo oficial da maioria da população e passa a ter condições políticas e jurídicas para deter os movimentos de desestabilização. Além de fortalecer o governo, o resultado impede novos atritos na América do Sul e não deixa de ser um alerta à América do Norte para que respeite a autonomia da região.
É ainda essencial que a integração de um país ao sistema internacional seja feita de forma a não desintegrar o sistema interno de cada país. O processo ocorrido na Venezuela pode contribuir como exemplo para o início de um movimento de criação, na América do Sul, de uma forma de presidencialismo menos rígido, combinado com mecanismos parlamentaristas. Os governos latino-americanos não têm mecanismos internos de substituição do poder sem que haja crises. Esses mecanismos têm de estar à disposição, mas não podem ser regras rígidas para evitar a indisposição prévia com os governos eleitos.
A idéia de construir uma América Latina e uma América do Sul unidas ganha corpo, após a manifestação eleitoral venezuelana. O Governo brasileiro desempenhou um papel muito decisivo na admissão da Venezuela como membro associado do Mercosul e a efetivação das negociações para um acordo de livre comércio entre a Venezuela e o Mercosul se concretiza com a solicitação formal de incorporação como Estado Associado do bloco e a efusiva acolhida que teve como mais novo sócio do Mercosul. Incorporação que representa um passo decisivo no estreitamento das relações institucionais entre o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações, que é a base fundamental para a construção progressiva da Comunidade Sul-Americana de Nações.
Tanto o Partido dos Trabalhadores como o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva realizarão todos os esforços para que o sonho da Comunidade Sul-Americana de Nações se aproxime o máximo possível da realidade, principalmente no momento em que o Brasil exerce a Presidência Pro-Tempore do Mercosul.
A Venezuela tem uma economia importante, mesmo sendo abalada pela crise enfrentada nos dois últimos anos. Com 25 milhões de habitantes, a Venezuela é um mercado importante e pode desempenhar relevante papel no processo de integração da América do Sul, onde é fundamental a busca de condições para se estabelecer uma integração maior das cadeias de produção. O Governo brasileiro entende que é possível a criação de um sistema industrial que atue em conjunto e o presidente Lula tem buscado dar prioridade à questão da infra-estrutura, ao enfrentar o problema da construção e da manutenção de estradas. Isso pode ser constatado na fronteira da Bolívia, com a recente inauguração de uma ponte e na fronteira do Peru com o lançamento da pedra fundamental de outra ponte. Obras que, sem dúvida, ajudam a ampliar o intercâmbio entre os países da região.
Além disso, o Brasil desempenha uma forte presença econômica na Venezuela, com o governo brasileiro impulsionando obras de infra-estrutura com participação de empresas brasileiras. Por tudo isso, a estabilização da Venezuela é fundamental e o Brasil vem se empenhando para que o povo venezuelano supere a crise e afirme sua soberania nacional.
O Governo Brasileiro tem se empenhado também na constituição de uma área econômica latino-americana que seja articulada do ponto de vista social, político e cultural, e que seja capaz de criar uma infra-estrutura, cada vez mais, integrada, sem deixar de respeitar a diversidade da geografia, da economia e da cultura de nossos povos. A consolidação democrática no Brasil, na Venezuela, na Argentina, no Chile, na Bolívia, no Peru e no Uruguai é um processo em permanente construção. O maior desafio da América Latina é conquistar a democracia social e econômica, além da democracia política. A esperança do Governo Lula é de que o Brasil esteja dando passos seguros neste sentido, lançando mão do peso e da importância estratégica que o país tem no Continente.