A nova direita francesa
Se existe conexão entre o comportamento do eleitor e as forças da globalização ela é clara em áreas mais expostas a importações. Candidatos protecionistas são os preferidos onde há um fraco desempenho econômico após a abertura de mercado mal feita.
Entretanto, muito mais do que estar exposto a importações, a derrocada econômica vem da dificuldade de se integrar a cadeias globais de valor em posições vantajosas e exportar produtos e serviços que pagam bons salários e investimentos na economia local. Eleitor prejudicado compreende mais rápido do que ministro.
O mapa da desindustrialização e da inviabilidade de atividades econômicas tradicionais corresponde ao mapa dos votos que Marine Le Pen recebe nas eleições nacionais francesas desde quando passou a concorrer em 2012, herdando essa situação de seu pai.
De 1995 até 2012 a França foi governada pelo tradicional grupo político de centro-direita que atualmente opera sob o nome de Republicano. Veio então a longa ressaca da crise de 2008 e derrotou a tentativa de Sarkozy à reeleição. O ex-presidente enfrenta hoje um processo por corrupção eleitoral.
Daquela ocasião para cá os eleitores já experimentaram entregar o poder nacional ao Partido Socialista e depois ao ensaio incorporado por Emmanuel Macron, o qual busca se desvencilhar de partidos “tradicionais” para melhorar sua performance.
No primeiro semestre de 2022, o quinquênio de Macron chega ao fim, mas sua candidatura à reeleição parece ter lugar garantido no segundo turno. Apesar de enfrentar ferrenha oposição nas ruas, Macron é melhor avaliado do que foram seus predecessores Hollande e Sarkozy.
Todavia, a destruição da política partidária francesa cobra um preço. Um cenário muito diferente do da Alemanha, onde um partido de quase 150 anos de fundação, o SPD, voltará ao poder numa coalizão com outros dois partidos “tradicionais”.
Na Alemanha, as redes de conexão entre o Estado, empresas, partidos, bancos, trabalhadores e universidades funcionam tão bem quanto uma engrenagem Mercedes ou Volkswagen, e seguram a desindustrialização enquanto seguem viabilizando novas atividades econômicas lucrativas. Por outro lado, na França muita gente se sente entregue ao deus-dará padrão europeu. Que ainda provê muitas oportunidades e uma bela rede de proteção social, mas que não é suficiente para preservar a legitimidade de partidos.
Os franceses expressam hoje uma preferência por um segundo turno em que Macron enfrente novamente a extrema direita. A diferença é que o voto da extrema direita, que há décadas se concentrava no sobrenome Le Pen, passou a se dividir entre Marine Le Pen e Éric Zemmour.
A cara da nova direita é de um comentarista de televisão. Zemmour é o mais influente polemista francês da atualidade. Nessa semana aguçou polêmica ao pegar um rifle numa feira de produtos de segurança pública e apontá-lo para jornalistas que o acompanhavam. Dizia rindo que “recuassem”. Suficiente para que diferentes interpretações o beneficiassem quando o vídeo viralizou.
Zemmour não confirma que será candidato, mas busca criar seu próprio partido para concorrer em abril de 2022. No sistema francês, para se candidatar a presidente basta ter o apoio de 500 entre cerca de 40 mil pessoas com cargos eletivos no país. Macron criou seu “movimento” um ano antes da eleição, ensinando o caminho ao seu concorrente.
Na intenção de votos, Zemmour pulou para segundo lugar, passando Le Pen. Ele se diz antissistema e prega contra as elites, mas estudou na mesma escola que elas. O que, aliás, o diferencia de Le Pen, que nunca conseguiu circular à vontade nos bairros mais badalados de Paris.
Zemmour é muito mais presidenciável, por assim dizer. E é uma página em branco em termos de economia e a burrice econômica ajuda muito aos candidatos de extrema direita pelo mundo. Direita em política é rede social, identidade, costume e discurso nacionalista. Ironia da história: poderíamos ser uma França Antártica, a colônia que franceses e índios da Guanabara tentaram implantar no Brasil no século 19.
Zemmour é bem articulado e consegue normalizar ainda mais a escatologia que inflama a extrema direita europeia. Diz que as pessoas pedem que ele “salve a França”, um país que já estaria em uma “guerra civil” cujo inimigo são estrangeiros que servem como proxy, equivocada, da globalização.
O encontro do inverno com os preços subindo – sobretudo da energia e do combustível – vai colocar os coletes amarelos de volta nas ruas. Zemmour diz que eles são “vítimas” de todos os que governaram a França nos últimos 40 anos. Artimanhas de linguagem à parte, o fato é que os franceses querem mesmo chacoalhar um sistema político que parece pouco confiável e eficaz.