A VOLTA DO MONOPÓLIO
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 15 de setembro de 2019.
Em meados de julho, o Banco da Inglaterra anunciou a decisão de estampar o rosto de Alan Turing na nota de 50 libras, a cédula de maior valor emitida para circulação pública pelo Tesouro britânico. Turing é o inventor do computador, que é a máquina definidora dos tempos atuais. A história mostra que as máquinas que levaram a humanidade ao seu nível mais alto impulsionam a riqueza material e a força política e intelectual de quem as inventa. A batalha do mundo atual é uma batalha por dados. E, quando países batalham, eles gostam de seus monopólios.
Turing é o nome do principal prêmio da Ciência da Computação mundial. Em 2018, receberam o prêmio os três principais pesquisadores — Geoffrey Hinton, Yann LeCun e Yoshua Bengio — vinculados a um projeto de pesquisa financiado por décadas pelo governo canadense. A pesquisa resultou no maior avanço da área de inteligência artificial e da própria computação das últimas décadas. Quando ficou provado que a chamada “aprendizagem profunda” de máquinas funcionava e tinha um potencial de lucro enorme, os pesquisadores foram contratados a peso de ouro por Google, Apple, Microsoft, etc.
Segundo Kai-Fu Lee, que foi presidente da Google na China enquanto a empresa operava no país, há uma disputa assimétrica sobre como deve ser a governança da comunicação e da internet. Que coloca de um lado as chamadas “7 grandes” da Tecnologia da Informação e Comunicação (Google, Amazon, Facebook, Microsoft, Tencent, Baidu e Alibaba), quatro dos EUA e três da China, que querem monopólio ou oligopólio. De outro lado, de forma difusa, a defesa de alternativas tecnológicas e legais que permitam mais competição entre novas empresas fora do eixo desses dois países e para além das 7 grandes.
A commodity mais valiosa do planeta, hoje, são dados. Mas a transformação de dados em commodities é resultado da superioridade de força das 7 grandes, que acabam tendo seus interesses defendidos por seus governos. A “commodificação” de coisas que não são naturalmente commodities. Se a “commodificação” da natureza e do trabalho, levada ao extremo na fase pior do comunismo soviético, foi uma lástima com graves consequências à humanidade, o que se dirá transformar em coleta extrativista os dados pessoais de seres humanos? Por que não considerar dados como patrimônio nacional?
Muitos se questionam por que não é feito hoje com as empresas de tecnologia da informação e comunicação monopolistas o que foi feito com a Standard Oil, cujo monopólio foi desfeito. De fato, na segunda passada, um grupo de 50 procuradores representando quase todos os estados dos EUA anunciou, em frente à Suprema Corte do país, o início de uma ofensiva antitruste contra a Google. A empresa domina, hoje, 92% de toda pesquisa na internet, 31% de toda publicidade on-line no mundo e 76 % dos celulares usam seu sistema operacional.
Monopólios oferecem equilíbrios menos interessantes para os consumidores do que a livre concorrência. Dados são recursos econômicos. O que dizer quando o poder político dessa riqueza econômica é todo enviado e processado fora do país? A lógica do poder concorda que monopólio deve ser regulado de perto pelo Estado. Ou as inegáveis virtudes do capitalismo vão se degenerar em monopólios.
Os EUA, ciosos de sua democracia e dos interesses econômicos de seus cidadãos, já no fim do século 19, passaram a ter cada vez mais legislações antitruste. Em 1911, a Suprema Corte americana, em ação movida contra a Standard Oil, decidiu que o grupo teria que ser dividido em 34 diferentes companhias.
Nessa área de computação de dados e inteligência artificial, os EUA hoje pensam que a China pode já estar mais avançada do que eles. Assim, é difícil pensar que agirão para desmonopolizar o setor. De fato, o que tem feito é somente restringir — e em vários setores proibir — a atuação de empresas chinesas dentro do país.
Como países grandes, como o Brasil, regularão a questão dos dados gerados dentro de suas fronteiras é a situação mais estratégica com que hoje se defrontam. O modelo de desenvolvimento autocrático chinês é monopolista por natureza. Mas os EUA já estão redirecionando seu liberalismo de volta para a lógica monopolista, com forte atuação do Estado para promoção das empresas do país. O ponto crucial é que a velha União Soviética não enfrentava os EUA economicamente. Eram realmente modelos distintos de Guerra Fria. A promoção do liberalismo socialdemocrata ajudava os EUA a seduzirem adeptos e a enfraquecerem o comunismo. A China é outro caso. Ela dominou a lógica do capitalismo, e os EUA estão se sentindo forçados a voltar a dominar a lógica do capitalismo de Estado para não perder a primazia. A nova Guerra Fria é travada por novos monopólios.