Bondade e Rotina
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 16 de Junho de 2013.
Não se pode dizer que os Estados Unidos seja um país idealista. É um país prático por excelência, e que tem a admirável qualidade de, bem ou mal, governar a si mesmo. Tudo no americano preenche um fim material, sendo, acima de tudo, um homem positivo, em cuja vida a metafísica tem pequena parte; reconhece a cada instante que a vida é um business… E vão por aí as considerações de Joaquim Nabuco, primeiro embaixador brasileiro em Washington, sobre o povo do país dirigido à época pelo presidente Theodoro Roosevelt .
Tal objetividade não contrasta com o papel rotineiro dos inúmeros centros de pesquisa mantidos pela fortuna de milionários beneméritos, legalmente estimulados e protegidos pela legislação fiscal, que não os vê como sonegadores, como são vistos pelos austeros coletores dos países tropicais. É de muitos desses centros que surgem publicações que demonstram como o problema da desigualdade e a insatisfação com as perspectivas futuras do modelo econômico constituem-se na angustia central das populações e países no mundo atual. E nessa trilha da inteligência solidária e observadora destaca-se o Centro de Pesquisas Pew, bancado principalmente pela fundação que é legado da família Pew de magnatas do petróleo, e que recebe contribuições também de outras fundações, como a de Bill e Melinda Gates. O financiamento de pesquisas globais pode parecer um interesse a principio curioso, mas é especialmente importante nesse mundo cada vez mais interconectado. O Centro Pew, criado há apenas duas décadas, se tornou referência para esse tipo de levantamento.
Os Pew são uma família da Pensilvânia e construíram sua fortuna no ramo do petróleo. Tudo começou com Joseph Newton Pew, fundador da Sun Oil Company. A empresa, hoje chamada Sunoco, tem quase 5.000 postos de gasolina espalhados pelos EUA. É especialmente conhecida por ser a fornecedora oficial de combustível tanto para a NASCAR (organizadora dos campeonatos de Stock Car no país), quanto para a Fórmula Indy: as duas ligas automobilísticas mais emblemáticas dos EUA. O combustível da Fórmula Indy é o etanol e é fornecido em parceria com a UNICA, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar brasileira.
Foram os filhos de Joseph que criaram o Pew Charitable Trusts, uma ONG que conta hoje com 5 bilhões de dólares para tocar suas atividades (gasta em média 250 milhões por ano). Dentre eles, Joseph Pew Jr. foi um dos maiores líderes do Partido Republicano em seu tempo e combateu ardorosamente o New Deal do presidente Roosevelt. Curiosamente, hoje, o Centro de Pesquisas Pew, altamente profissionalizado e não-partidário, mas ainda subordinado à ONG familiar, é um dos principais divulgadores dos problemas acerca do aumento da desigualdade no país e no mundo desenvolvido. O que de certa maneira provê munição, ainda que indiretamente, para o governo Obama e suas tentativas de passar alguns “new deals” como programa de governo.
O último relatório do centro, divulgado no dia 31 de maio, destrincha o fato de que a recuperação da economia americana, da forma como está ocorrendo, favorece as pessoas com investimentos no mercado de ações. Isso porque recente relatório do FED, o Banco Central dos EUA, mostra que 62% da melhora total na riqueza das famílias está vindo de melhoras no mercado de ações. A pesquisa ainda informa que enquanto 80% das famílias que ganham mais de 75 mil dólares por ano têm investimentos em ações, esse percentual é de apenas 15% entre aquelas que ganham menos de 30 mil dólares por ano.
Uma rápida olhada no site do Pew oferece um mosaico de informações que vai sempre se renovando. Lá vemos, por exemplo, que o percentual de americanos que afirmam terem tido dificuldades para comprar comida no último ano é igual ao de brasileiros: 24%. Ou que entre 2007 e 2013 a avaliação positiva da União Européia por parte da população local caiu de 68% para 46%; e que apenas 15% dos europeus dizem que a situação econômica de seu país é boa (isso vai de 75% entre os Alemães a apenas 1% entre os gregos). Vê-se também que enquanto 78% dos americanos confiam na Grã-Bretanha, apenas 10% dizem confiar no Paquistão.
Pesquisa recentemente divulgada, e que confirma uma série de outros levantamentos que medem a percepção da desigualdade, mostra que 74% das pessoas em países ricos entende que o sistema favorece os ricos (o percentual é 70% entre países emergentes) e que para 80% a distancia entre ricos e pobres aumentou nos últimos cinco anos (59% entre emergentes).
Responsabilidade e convicção na crítica ajudam a sair dessa sensação que é ver o futuro sem alma. Mas bondade em política não é garantia para nada. Porque fazer o que se pensa ser o melhor é apenas um dever da esfera subjetiva; aspirar seus frutos é a maldade que contamina o mundo objetivo.
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PAULO DELGADO