Brasil-EUA: Tempos de Porco-Espinho
Como explicar tanta encrenca e dificuldade de encontrar solução compartilhada que deixe de preocupar a sociedade vendo governos de grandes países não conseguirem conversar?
“Sei um segredo, você tem medo…e nada”, é um verso antológico da música de Milton Nascimento e seus parceiros do Clube da Esquina que se prolonga por este período longo que vivemos desde os anos 1970. Tudo parece grave, mas se é comercial pode ter solução se os EUA, sem minerais raros, e o Brasil, com baixo domínio de dados e alta vulnerabilidade digital, abrirem o jogo de suas limitações produtivas e tecnológicas diante dos diferentes problemas na cadeia de suprimentos dos dois. O espírito de porco-espinho saindo de cena entram negociadores da nova realidade tecnológica.
Os mitos do dilúvio e da renovação do mundo ocorrem pouco na política. Na relação entre a história e os sistemas políticos, no passado e no presente — entre o reservatório de conteúdos e desejos individuais das elites de cada período e o dia a dia da maioria da sociedade — o que vemos é carne e osso das relações pessoais contaminadas por paixões políticas e razões econômicas atreladas a processos eleitorais.
O mar secou para os mansos que se interessaram por política baseada nos princípios que deram sentido às duas nações. O mundo atual está aberto e habitado por símbolos de hostilidade vestidos de publicidade e propaganda. A mistificação das personalidades pelas redes sociais criou a decisão política pitoresca para tudo, movida pela obsessão do sucesso aferido por pesquisas de opinião.
O Brasil precisa de ajuda. Mas as posições políticas aqui e nos EUA têm muito de clãs e populismos que pouco se renovam. Há as longevas classes estruturais que não se reinventam e são atropeladas por novos atores conjunturais que ocupam o palco com a mesma peça. Da Aliança para o Progresso, as passeatas Yankees Go Home, ao boxe das tarifas– crise tão irracional que até quem nunca gostou dos EUA está decepcionado – a maioria do povo – lá e cá – tem motivos de sobra para não dormir quando vai para a cama. Ao analisar os personagens nome a nome corre-se o risco de entrar em ringue de gladiadores. Melhor ver as coisas como contos, não sagas.
Destruídas as instituições, muitas das ideias que estão por aí gerando conflito são atividades do espírito criadas pela caixa de ressonância de assessores arcaicos que fazem a cabeça dos personagens. É o martírio do bom senso. Tornar o mundo aberto é o que mais ameaça o intolerante que frequenta palácios de forma irresponsável. Influenciadores pequenos, cuja força surge como marca de costumes brotados de eleitores fanáticos que não descansam e, nas crises, enchem o governante de um inventário de aventuras. Vislumbres autoritários de líderes para os quais seu país é o que está na sua cabeça.
Pelo fato mesmo de ser uma religião, o “eu” em política é terrível, pois sempre fica entre o “nós” e o nada. A natureza da crise atual nos leva a pensar e tentar distinguir o que pertence de fato à história de nossos dois países e o que pertence ao evento problemático de governos e suas deficiências. O que é durável, o que é transitório, o que é de fato mediado pela história e pela cultura de dois países centenários? O que nossos pais e avós diriam de tudo que está degringolando no mundo?
Oportunidade rara em política nem sempre significa que é uma boa oportunidade. Desprovida de conhecimento histórico e clareza sobre a complexidade do mundo, tal oportunidade pode gerar movimentos que mais revelam fraqueza do que força e professam a amargura da malícia. São censuráveis perante a história quem diz o que não pode sustentar, não recua para não ter que explicar o que disse ou fez sem pensar. Chicken out, frango fujão, dizem os investidores em Wall Street ao ver o governo dos EUA ameaçar e recuar em relação à Europa, China e Japão usando o prazer de frases feitas e bonés alienados. Preferir a hostilidade à mansidão, cair no jogo de brigões, está impondo ao mundo a treva do governante pequeno.
É difícil imaginar que tal situação irá promover uma onda de virtudes patrióticas sinceras. Diálogo supera maquinações políticas de quem quer remodelar o comércio global pondo em nocaute as fronteiras nacionais e destruindo o sistema fiscal. Metas eleitorais agravam a briga em torno de tributos destrutivos e fecundam coisa pior. A falta de inteligência estratégica e acentuado desconhecimento da história produz crises fúteis, sentimentalismos exacerbados, com potencial aversão ao pacifismo. Não devemos, nas crises políticas, nos concentrar somente na aranha, é preciso observar melhor a teia que a sustenta para saber a que tipo de guerra as tarifas antecedem. (Continua no próximo artigo).