Cegueira no Irã
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 12 de fevereiro de 2012.
Os movimentos certeiros que o presidente Barack Obama vem fazendo em direção à sua reeleição equilibram a recuperação econômica do país – diminuição do desemprego – com boa dose de medidas de forte impacto social – combate à desigualdade com tributação sobre os mais ricos. Como estão dando os primeiros resultados internos, o risco é ver a política externa entrar furiosa em cena, provocar erros e confundir a escolha eleitoral. Este é o ambiente nos Estados Unidos, onde, mais uma vez, começam a se misturar paixões eleitorais, imprensa ativa, teses acadêmicas, interesses militares e políticas de Defesa. Como o país não está em condições econômicas (nem históricas) de ressuscitar a Doutrina Truman, que o fez líder da recuperação mundial após a 2ª Guerra Mundial, a pressão sobre a Casa Branca é para reeditar a Doutrina da Guerra Preventiva, da era Bush, calar os Republicanos no seu campo e bombardear logo o Irã.
É de um ex-colaborador do Governo Obama, Matthew Kroenig, que trabalhou no Departamento de Defesa também no governo de George W. Bush, o artigo mais alarmista, comentado e preocupante em circulação sobre a ansiedade mais ácida da política americana atual. Publicado na última Foreign Affairs, é o contrário do premonitório artigo do prestigiado historiador Arthur Schlesinger Jr., que em 2003, na The New York Review of Books, acusou o Presidente Bush de cegueira no Iraque. Schelessinger não via então nenhuma afinidade entre ser um país democrático, membro da ONU, e ter iniciativas de guerras como aquela. Seu artigo não deixou em pé nenhum argumento a favor da ideia de que intervenções defensivas ou guerras preventivas são formas humanitárias, eficientes e aceitáveis de ações de dissuasão, contenção e prevenção de conflitos. Obama se elegeu tendo isso em vista. O problema é que a mudança de doutrina promovida por Bush teima em não ser totalmente superada. O presidente muda, mas a linha dura em Washington permanece. O Oriente Médio, como a Praga kafkiana, parece ter garras que prendem os Estados Unidos ali.
A angústia aumenta para Obama à medida que as eleições vão se aproximando e a oposição vai apertando o cerco, taxando-o de ser incapaz de liderar a gloriosa América. Nos EUA é difícil dissociar as agendas interna e externa do presidente. Problemas internos nunca são suficientemente grandes a ponto de diminuir o valor que se dá à ação internacional do país. O americano foi ensinado ao longo de décadas sobre o dever que seu país tem de pôr ordem no mundo, seja por razões morais ou pragmáticas. Deveres autoatribuídos de superpotência! Se há uma crise interna, dizem, ela tem a ver com o declínio do poder americano no mundo, que para Mitt Romney, favorito para assumir o posto de contendor oficial dos republicanos, Obama só faz administrar placidamente. Americanos querem ação. E é por isso que Obama se fia tanto no assassinato cinematográfico de Bin Laden que ele comandou.
Assim, o Chefe de Estado é sempre medido pela sua postura no cenário global. Comedimento, antes de ser uma virtude, é tomado como demonstração de fraqueza. Obama respeita os arranjos institucionais de seu país e vira e mexe, é visto, por isso, como fraco no que diz respeito a assuntos internos. Tem de lidar com a imensa pressão para não passar a imagem de que é “soft” com os atuais inimigos da América.
Só que os EUA não querem ser precipitados e agir sozinhos. Sabem que é ampla a insatisfação em relação a um Irã com armas nucleares. Um Irã com bombas nucleares fere o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP); é uma ameaça explícita à paz na região; é inaceitável, brada Israel preparando-se para o “ataque preventivo” em abril. Os EUA não dizem sim nem não. Escutaram bem os ecos do discurso da semana passada, na Universidade de Teerã, do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país persa: “a guerra vem em nosso benefício… Um ataque ao Irã prejudicaria dez vezes mais os interesses dos EUA no Oriente Médio do que os nossos interesses”.
Obama precisa usar toda sua retórica para convencer que precisa ouvir seus aliados. Isso é crucial para os EUA encontrarem seu lugar na arquitetura multipolar do século XXI. Mas a cautela pode não servir à sua eleição. O Irã, por outro lado, quer segurar os EUA no século XX adulando os vícios do inimigo impetuoso. Tragando-o para a posição de vilão num cenário que é, sobretudo, o do desespero de um regime teocrático, mas que já conhece as ações desastrosas dos EUA no país.
E é nessa curva que a reeleição americana e a insurgência iraniana fatidicamente se reencontram. Obama tem claro que o último democrata que não se reelegeu presidente foi exatamente por ser visto como um líder fraco, justamente contra o Irã. Jimmy Carter é o que Obama tem medo de ser. Uma cegueira que pode nascer de uma incerteza eleitoral.
Paulo Delgado é sociólogo, foi deputado federal.