Chuvas de Verão
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 12 de Janeiro de 2014.
Certas como as fortes chuvas de verão, também fizeram-se rotina entre nós a Copa do Mundo seguida de eleições. O castigo das chuvas desconcerta esse país ensinado a se orgulhar de não ter catástrofes naturais violentas. Já o resultado de copas e eleições, afortunadamente, nem sempre é desastroso: pode ser tanto redentor quanto levar à mais completa decepção de um insosso empate.
Apesar de muitos acharem que indolência, misticismo e sorte são características indissociáveis do caráter nacional, o ano se inicia com uma lista de situações globais que demandam zelo especial. Se bem planejadas e geridas, a posição política do país na arena internacional pode melhorar substancialmente.
A sexta cimeira do BRICS em abril, no Brasil, inicia o segundo ciclo de encontros anuais desse grupo que nasceu do curioso casamento entre as ideias de um banco de investimentos e o oportunismo burocrático. Nesse caso, oportunismo no bom sentido, como do atacante na frente do gol. Entretanto, as coisas que nascem dessa forma tão fluida têm que ser dotadas de conteúdo com esmero, vigor e constância, como casamento arranjado. Sob pena de ficarmos diante de um oportunismo de mau gosto que transforma cinco economias gigantes em atores de um teatro entre nações perdidas em seus objetivos.
Enquanto isso na Austrália ocorrerão ano afora os encontros do G-20, que trazem mais frutos ao Brasil na sua busca por influência global. O sucesso do G-20 – e do Brasil no G-20 – sugere melhor chance para mostrar-se ao mundo como a Suíça tropical e marítima que deveríamos ser – pacifista, tecnológica, com historia comum de povos múltiplos, educada, regional, global e rica. Para isso deveríamos não insistir no erro de querer ser o que não devemos querer ser, um dos cinco senhores da guerra da ONU. É pelo papel no grupo dos 20 maiores – que pode ser extinto passado o pior da crise global – que poderemos influir na mudança do ultrapassado Conselho de Segurança. São os degraus a subir para quem é bem descuidado com doutrina política e história das nações. Triunfo sem orgulho é imaginar chegar a Deus sem ter fé.
Uma reforma, ou melhor, a construção de uma governança internacional da internet foi a principal banca que o Brasil botou em 2013. Não dá para decepcionar e deixar de ser o protagonista preparado que o próprio país disse querer ser. O risco é grande porque nessa área de tecnologia o conhecimento político anda muito atrás do que o que se inventa por aí, e desconhece os meandros mesmo daquilo que é mais antigo. É normal, os avanços tecnológicos estão muito rápidos e imprevisíveis. Daí a querer influenciar “negativamente”, propondo regulação, regras e cerceamentos, é algo que deve ser feito com muito cuidado.
O desenho de um contrato social de dimensões globais para uma tecnologia que já se transformou em parte substantiva da vida das pessoas, e ferramenta fundamental do desenvolvimento, não deve ser subestimado. É possível execrar muitas modernidades tolas, mas, convenhamos, a internet não é, defitivamente, uma delas. O mundo precisa de convergência de normas (caminho, aliás, para onde segue naturalmente) que diminua custos de transação antieconômicos e dê mais inteligência ativa, aumentando o número de usuários que saibam o que se passa atrás de um computador. Qualquer tentativa de cercamento dos campos da internet prejudicará sobremaneira quem se isolar e não leva a nenhuma revolução tecnológica dentro dessas ilhas. O mundo da internet está em transição para abarcar cada vez mais coisas que a princípio não foram pensadas para serem conectadas, mas cuja conectividade gera ganhos. Essa “internet das coisas”, como o fenômeno é chamado no mundo da tecnologia, abre possibilidades e perigos de muito difícil controle e regulação, bem além do problema da privacidade.
Para além da Copa, são os protestos um possível acontecimento interno que entrelaça interesses do Brasil e do mundo. Os governos, se desejam salvar a democracia, devem educar a polícia que continua irritada e despreparada e cuja ação, mesmo no caso de protestos democráticos, compete com a violência criminal. O que não dá é torcer para que a população seja mais organizada e calma do que o governo. De acordo com a Unidade de Inteligência da revista Economist, 65 países estão em alto ou muito alto risco de revolta social. Dados os acontecimentos de 2013, não é de se estranhar que o Brasil esteja nesse grupo. Certa como as chuvas de verão, a onda de protestos está varrendo o mundo e o modelo a predominar não é o de países que não tenham protestos de larga escala, mas o dos que sabem lidar com eles.
Incertezas não são desalentos, são alertas para um futuro melhor.
*****
PAULO DELGADO é sociólogo.