CLIMA PESADO PARA O BRASIL

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 25 de abril de 2021.

Os EUA são um país tão senhor de si que não respeitam quem rasteja em sua direção. Sua elite no poder percebe logo o aliado com futuro extraviado. E como país duro na guerra é impiedoso na sutileza do recado e da inflexão diplomática. A Cúpula do Clima foi um cala a boca para o governo do Brasil. 

Sinal do esfacelamento da elite oficial brasileira aos olhos da diplomacia mundial e da evidência de que o governo não tem mais interlocução internacional, a Cúpula Virtual do Clima foi o mais duro recado que o Brasil já recebeu publicamente. Não há nenhum indicador comparativo que nos coloque em vigésimo lugar na hierarquia das nações como ocorreu. Nem se conhece desfeita tão ostensiva como o fato de o anfitrião se retirar na hora do discurso do convidado. Com autoridade sem credibilidade não tem conversa. O Brasil foi tratado como intruso.

Noves fora a dificuldade que os EUA têm em fazer mea-culpa – por canais abertos – por terem dado corda para a pirotecnia politico-judicial que hoje sufoca o Brasil, a Cúpula de Líderes para o Clima deixa claro que o mundo já se livrou de Trump  e o Brasil segue deslocado do prumo. Mesmo entre a quase unanimidade de opinião, de que a mudança na chefia do Itamaraty tirou o órgão do fundo do poço, há quem diga que o chanceler Carlos França não estaria talhado para a tarefa por ser mais afeito à área do cerimonial. Pois bem, foi o cerimonialista-chanceler que os EUA escolheram para explicar ao presidente do Brasil o que de fato aconteceu. Geopolitica se faz, também, em termos simbólicos, especialmente na estrutura dessa virtual Cúpula onde quase tudo é cerimonial. Logo, ele deve, rapidamente, interpretar muito bem a mensagem de “chega para lá” que foi enviada ao Planalto. 

Biden abriu os eventos com a cúpula de sua diplomacia, fazendo com que Kamala Harris – por tudo que ela representa e para o que está sendo preparada – falasse antes dele. Em seguida ouviu de pronto o secretário-geral da ONU e os representantes dos dois maiores povos do planeta (China e Índia). Depois, honrou o Reino Unido – já fora da União Europeia – ao qual se somaram os outros dois aliados principais, Japão e Canadá. Dali pra frente ouviu o restante dos BRICS (menos, ostensivamente, o Brasil), mais os três maiores países da União Europeia.

Ouviu também a Indonésia, país que caminha para 300 milhões de habitantes e com problemas florestais parecidos com os do Brasil. Por último, ouviu o presidente das Ilhas Marshall, um território independente associado que conta com menos de sessenta mil habitantes e sofre desproporcionalmente com a mudança climática que eleva o nível dos oceanos.

 Nesse momento – de um modo entre o brusco e o jocoso – é informado que Biden se ausentará da sala, mas retornará.

Começa então a segunda classe de participações. Iniciada simbolicamente pela Argentina, país com menos de um quarto da população brasileira e um presidente herdeiro de tradição política que incomoda parte dos EUA por sua não submissão à hegemonia americana. Cavalheiros, leiam que a Argentina é hoje a melhor combinação entre importância e respeitabilidade na América Latina. 

Depois de mais dois expositores, Bolsonaro leu sua mensagem – sem ser ouvido por Biden – entre representantes de dois regimes sui generis: Arábia Saudita e Butão.  Falou após o rei saudita – a autocracia com a qual os EUA mantêm a relação mais paradoxal possível por razões de petróleo e guerra. País de importância geopolítica, mas que se os EUA cumprirem suas metas a favor do clima e dos direitos humanos, precisará se reinventar. Teve inclusive que dar a palavra ao rei Salman, já que o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, que de fato governa o país, está queimado, inclusive por se envolver em assassinato de jornalista dissidente. 

A maldade principal é o enquadramento. Colocar na mesma foto a Arábia Saudita como a cara do problema do CO2 por conta do petróleo e o Brasil como a cara do problema do metano por conta da agropecuária e do desmatamento é um claro alerta de risco econômico monumental. 

Não é por falta de aviso. É injusto com o Brasil? É. Mas o governo colhe o que planta. Afinal, quem achou que bastava hastear uma bandeira americana na frente do Planalto, se meter na eleição de lá para achincalhar a democracia brasileira e fazer o que dá na telha, ia acabar falando sem ser ouvido.  Por enquanto o nível é do cerimonial. Para o mercado de aventureiros não tem importância, mas são de não-importâncias assim que o país vai perdendo o seu maior mercado, seu capital material e imaterial.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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