DESAMOR EUROPEU
Correio Braziliense e Estado de Minas – Domingo, 12 de Julho de 2015.
Para ser sincero aconteceu o inesperado. Como na passional relação em casamentos que se desfazem a ideia dos dois continuarem a viver juntos é tão terrível que a sensação de trair a vida é pior do que a de trair um ao outro. Tudo ultrapassa a motivação original e o fracasso das experiencias mais íntimas torna-se logo o fracasso da vida social. O conteudo mais remoto da política é que suas ações e consequências para as nações são muito semelhantes ao viver junto. O riso e o esquecimento são mera questão de tempo.
Pasmos estão os que vêem a União Européia comoum grande mercado e nada sabem de história. O resultado do referendo de domingo passado na Grécia, que disse não às medidas de austeridade, surpreendeu o status quo europeu. A estratégia de encurralar o cidadão grego a fim de garantir a opção pelo sim surtiu efeito contrário. Restringir a 60 euros diários o total de saque permitido ao correntista, desde o momento em que o Banco Central Europeu não autorizou Atenas a ter acesso àliquidez, atéque seu país aceite adotar medidas que garantam o fluxo de bilhões de euros para os credores,éuma violência.
Ainda que exista ampla aceitação da necessidade de lidar comdureza com aqueles que apostam na socialização das dívidas, no caso grego, parece que Atenas jogou sozinho o jogo. Se não estão superprotegendo os gregos, as autoridades européias mimam seus banqueiros, que ficam protegidos das perdas oriundas de maus empréstimos.
Quatro anos atrás, quando o segundo acordo de resgate, no valor de 130 bilhões de euros, foi fechado, o então primeiro ministro George Papadreou perdeu o cargo por advogar um referendo sobre as condições impostas. De lápra cáo PIB do país sófez encolher e uma esquerda raivosa subiu ao poder e fez seu referendo sob a liderança de Alexis Tsipras. Ele tem agora legitimidade para decidir sobre o que fazer diante do atual estado de calamidade, podendo levar seu país para qualquer lado. Essa éa interpretação que se faz do resultado do referendo nos salões da Europa. Se não houver capitulação de qualquer um dos lados, ou acordo satisfatório, e Tsipras roer a corda, não haverámais o que se fazer. Nesse sentido o primeiro-ministro grego alterou pelo momento a posição de chantageado a chantagista que anima a relação entre Atenas e a banca européia .
O imbróglio financeiro recente foi causado pela não acomodação por parte do Fundo Monetário Internacional da vontade expressa pelo governo grego que precedeu o de Tsipras, de encerrar o programa do FMI jáno final de 2014. Isso tirou o país dos trilhos. A recuperação grega vinha ocorrendo aos trancos e barrancos e o governo do então primeiro-ministro Antonis Samaras enfrentaria eleições no início de 2015. Samaras via como essencial chegar ao período eleitoral jálivre dos estrangulamentos ditados pelo programa do FMI. Apoiado pelo mais-realista-que-o-rei Banco Central Europeu, o FMI, no apagar das luzes de 2014, derrotou a visão defendida pela Comissão Europeia de que a Grécia havia feito o bastante para finalizar aquele estágio do programa de ajuste.
Os economistas tecnocratas derrotaram a opinião da comissão política e impuseram suas tendenciosas ferramentas financeirastravestidas de assépticas aplicações do justo. Insensibilidade atroz sobre um pequeno país em que ocorre 60% de desemprego entre os jovens, e onde 2% da população cruzou suasfronteiras. Isso para não falar da fuga de capitais. Étriste desfraldar conceitos de austeridade que acompanham missões econômicas transnacionais desse tipo. E incompreensível perceber onde chegou o nível dos atuais líderes da União Europeia: mesmo não tendo a mínima idéia do que o mundo deve aos gregos, estão certos que os gregos devem muito mais aos bancos.
A questão éinelutavelmente política, muito mais do que financeira. Vários tem noção disso, mas não os governos. Destaque para a hipocrisia da posição alemã que teve suas dívidas perdoadas em momentos muito piores da história que ela própria criou com seu heroi exdrúxulo. Háuma ansiedade exagerada em Bruxelas para resolver a questão. A ideia de que um futuro sombrio aguarda a Grécia fora do Euro é exagerada. O atual governo não parece nada competente para fazer uma boa transição para fora, mas ela étotalmente factível em mãos hábeis.
Desafortunadamente, politica e economia são um casamento fracassado. Não há mais no sistema político, cujo vocabulário não passa de 230 palavras, uma inteligência rival à lógica simplificadora do sistema financeiro. Pelo contrário, o que se vê é a política subjugada aos temas e conceitos econômicos, sem espaço para a afirmação de qualquer outro tipo de reflexão.
PAULO DELGADO é sociólogo.