Destinos

Correio Braziliense e Estado de Minas, domingo, 21 de agosto de 2011

Num longo processo de diferenciação a história segue ritmos e rumos diferentes para

diferentes povos. Algumas regiões a viveram intensamente, mas continuam primitivas no

usufruto de sua experiência.

Invenções impulsionadas por necessidades explicam muita coisa. A roda foi uma delas.

Mas exagerar no automóvel limita o direito de ir e vir. Estacionar já é um bem mais escasso

do que dirigir. Logo, logo só compra carro quem tiver garagem, como em Paris e Xangai.

Ter o espírito criativo explica muita coisa, mas a concorrência explica muito mais. O Google

comprou a Motorola e as suas 17 mil patentes por medo da Apple. Mas quem investirá na

educação de quem fala ao celular? Trabalhar, ter uma profissão, não atrapalha. Mas se for

por vocação, atrapalha muito menos.

Meio ambiente ajuda e atrapalha. Preservar a água só ajuda, na abundância ou na

escassez. Quem soube primeiro domesticar não precisou amestrar e progrediu mais quem

primeiro se afeiçoou aos animais. Mas isso produziu complicações, pois tal convivência

trouxe doenças. Micróbios e pestes mataram mais do que guerras e catástrofes naturais.

Mas também produziram evolução: quem primeiro adoeceu primeiro se vacinou.

Quem primeiro compreendeu a igualdade de todos os homens desistiu de escravidão.

A vida em coletividade assegura que anda mais quem vai sozinho, mas quem anda junto

vai mais longe. Assim quem decidiu morar em um lugar, construir propriedade, tornou-se

dono sem precisar carregar. A mobília, a lavoura e a poupança, são sinais do progresso;

a mochila, a imigração, tem muito de contingência e solidão. E quem parou, organizou

a conquista sobre a própria vida. A vida sedentária movida a bons valores não é um

mal. Metal, fontes energéticas, terra e clima foram compondo o ambiente favorável

ao progresso e ao desenvolvimento. E nasceu o comercio e as cidades e então surgiu o

dinheiro.

É preferível ter saúde a ser rico, mas não é fácil ter saúde sem ser rico. Antes ser

alfabetizado a ser culto, mas é melhor ser alfabetizado com cultura. Enquanto você espera

ficar rico é preferível ser classe média a ser pobre. Melhor ser pobre que miserável. Para

ser adulto é preferível sobreviver como criança a morrer subnutrido. Se você não pode

comprar, procure produzir e vender. É mais fácil andar sendo saudável do que por ter

dinheiro. Mas a crise atual está mostrando uma doença financeira: quem tem crédito

parece não ter dinheiro.

Governo centralizado e regras claras mais ajudam do que atrapalham. Democracia

só ajuda, especialmente quando valoriza a paz e a inteligência humana; estimula a

inovação, tecnologia e a industrialização. E é tolerante com opiniões e crenças diferentes.

Mas há muita confusão a respeito dos valores essenciais da humanidade. Governos só

pensam no presente, típico raciocínio de guerra, querendo impor uma vontade. Essa

falta de discernimento da política internacional atrapalha a vida das pessoas comuns.

Guerras iguais – militares, comerciais, diplomáticas – com armas desiguais. Um mundo em

deslocamento do centro para o sul, do ocidente para o oriente, mas com os emergentes

valendo-se dos mesmos expedientes, o pragmatismo sem moderação, para reunir aliados,

que criticam na Europa e nos EUA.

Maus conselhos e seus aparatos manipuladores, da indústria militar ou da diplomacia,

incendeiam o fanatismo e ajudam a manter o Oriente Médio em convulsão e fantoche

de amigos insinceros. Quando começou o comercio os árabes inventaram a prestação, a

loja e os mascates: formas de demonstrar confiança e paciência. Quem são os fregueses

da sua falta de liberdade? Continuam a péssima tradição autoritária de usar mais paixão

do que razão. Países mais à direita usam as ideias liberais para continuarem protetorados

familiares, assentados em barris de petróleo, a mais obsoleta das energias. Os mais à

esquerda usam as ideias socialistas oferecidas à região pela guerra fria como poder de

polícia e perpetuação de castas e tiranias.

A revolução é a mais persistente das ideias ocidentais na região. Serve até hoje para

qualificar as iniciativas políticas. Fixou ali o princípio da regra de ninguém, indiferente a

soluções políticas e ao respeito aos direitos individuais. A democracia não combina com a

fúria de governantes. Continua o meio mais tranquilo para conciliar diferenças. Um destino

distante da região berço da civilização ocidental e da fé monoteísta do mundo.

PAULO DELGADO é sociólogo. Foi Deputado Federal.


Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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