DINASTIAS CLINTON-BUSH
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 28 de Junho de 2015
De um lado mais um filho, do outro a mulher. A um ano da escolha oficial dos candidatos à presidência dos Estados Unidos, se os dois forem confirmados candidatos de seus partidos a presidente, o bipartidarismo americano demonstra sua queda pela comodidade das dinastias. De 1989 em diante, durante vinte anos os EUA foram governados por um Bush ou um Clinton. Se confirmado o favoritismo da dupla Jeb e Hillary, essa contagem aumentará. Não vivemos nada, decerto, como o que foi a dúzia de anos de Franklin Delano Roosevelt no poder. Todavia, há um quê de vinho antigo em novas garrafas nesse novo arranjo americano.
Parente afastado do também presidente Theodore Roosevelt, de quem recebeu a mão da sobrinha desse, Eleonor Roosevelt – que era também, aliás, filha de seu padrinho – no altar, Franklin tinha parentesco com uma pletora de políticos que filtravam o que era ser aristocracia no país desde suas origens. Ficou no poder por inauditos doze anos consecutivos. E isso porque havia sido eleito para dezesseis, mas não pode completa-los, pois morreu no cargo depois de uma longa deterioração de sua saúde. Há exatos setenta anos, o inexperiente Harry Truman, então vice de Roosevelt havia apenas poucos meses, assumia o comando de um EUA na reta final da Segunda Guerra Mundial. De lá para cá o país que fugiu da coroa inglesa alterna experimentações com o novo, mas sempre bem entrançadas com o já conhecido.
As quatro eleições consecutivas de Roosevelt fizeram o Congresso americano acabar com a possibilidade de mais de uma reeleição. A lógica fundamental de pesos e contrapesos que sustém o sistema americano e que vai muito além do simples equilíbrio dos três poderes básicos, logo tratou para operar e aniquilar a possibilidade de tão longa perpetuação no poder por um só indivíduo. Afinal, não era a independência americana fruto antecipatório dos ideais da Revolução Francesa? Não era o excelso esplendor da livre igualdade de oportunidade ? Mas independente disso, o costume pelo mesmo, um charme aristocrático, subsiste desde o início. E de tempos em tempos seduz a vontade popular. E lá são anos para arquitetar a lei de um jeito e mais tantos outros para redesenhá-la de outra forma.
De vez em quando, entretanto, parece melhor o mais do mesmo.E ele pode ser o continuísmo do que não está ruim, ou a volta ao que não era tão ruim. Ruptura e estabilidade é a dança que motiva e tranquiliza os americanos. Símbolos disso levam vantagem. Roosevelt disputa até hoje, cabeça a cabeça, apenas com Abraham Lincoln, o posto de presidente ideal no imaginário americano.
Jeb começou sua campanha tirando Bush do nome. Questionado, não se constrange. Afinal, no acrônimo JEB, tornado apelido e nome político, o B é de Bush. Casado com uma mexicana e convertido ao catolicismo, religião de apenas um presidente americano até hoje, Jeb Bush aposta no apelo que as opções que tomou ao longo da vida têm junto à parcela que mais cresce no eleitorado americano. Sua esposa seria a primeira primeira-dama não americana de nascença.É clara essa onda que tem levado à Casa Branca uma série de primeiros cuja identidade é entendida como fora do poder.Jeb afirma ser o candidato da ruptura que impede a presidência de “passar de um liberal para o outro”. Mas de todos os republicanos ele é o mais previsível, o mais capaz de trazer algo estável.
Hillary, por sua vez, já está espiritualmente encaminhada em sua bem antiga decisão de se tornar a primeira mulher presidente dos EUA. Tem, inclusive, muito mais poder sobre os membros de seu partido e mais capacidade de mobilização de seus eleitores.E tem o trunfo de ter perdido e trabalhado para Obama e ser casada com a pessoa que mais ajudou Obama a ganhar. É também, para quem quiser ver assim, ruptura e continuísmo. E ainda tem a arena mais a seu favor. Na semana que passou uma bandeira importante dos democratas, direitos iguais para homossexuais, e a principal política pública dos anos Obama, a reforma do sistema de saúde que o tornou mais inclusivo, saíram vitoriosas de julgamentos na Suprema Corte do país. O que pode parar Hillary é o carisma, este dom que Deus distribui para qualquer um, que em Jeb é muito superior do que nela.
Apesar de tudo muito paroquial não perde a consistência a blague internacionalista que afirma que a presidência dos EUA é um cargo de tanto poder global que todos os países deveriam poder votar. A despeito do que se pode desejar para a sociedade americana, quando se trata de relações bilaterais com o Brasil, tudo leva a crer que Jeb representa cenário mais favorável para um tema que continua capenga para nós. O problema é que se a cabeça aqui não estiver aberta para levar os EUA a sério pouco importa ser Bush ou Clinton o vitorioso.
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PAULO DELGADO é sociólogo.