EUA PRESSIONAM O BRASIL
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 05 de janeiro de 2020.
O Brasil pisou no freio e pode capotar de vez. O leilão das faixas de frequência para a quinta geração de telecomunicação móvel (5G) previsto para ocorrer em março de 2020 foi adiado indefinidamente em controversa decisão da Anatel tomada em dezembro de 2019.
De forma direta, o adiamento representa um atraso imposto ao Brasil com relação a outros países do mundo, nesta que é a infraestrutura de negócios com maior potencial de expansão e lucro para as décadas de 2020 e 2030.
O Japão já testa o 5G desde 2014 e tem uma muito bem traçada estratégia desde 2016. A Coreia do Sul, com seu forte planejamento central em apoio a empresas nacionais exportadoras de tecnologia (como Samsung e LG), tem a maior difusão de 5G no presente momento. Ainda que os usuários pessoas físicas coreanos não estejam positivamente impressionados com o serviço, as empresas do país estão surfando na frente na produção de aplicativos e de outras tecnologias e serviços associados ao 5G.
A China, que já é o maior mercado do planeta; a União Europeia, que é o segundo; e os EUA, que ressentem a terceira posição: todos têm o 5G em operação e avançando.
Até poucos anos atrás, enquanto a globalização e as cadeias globais de valor eram defendidas a ferro e fogo pelos EUA, o detalhe de que o 5G era uma obra majoritariamente asiática e europeia não era tão importante assim.
Na circunstância atual, passou a ser assunto de segurança nacional, com o Departamento de Estado, que é o Ministério das Relações Exteriores dos EUA, promovendo um esforço de boicote sem precedentes contra a atuação de empresas chinesas líderes no 5G. Em que medida a decisão da Anatel é uma resposta a essa pressão é um mistério mal oculto.
Até aqui, a argumentação americana para convencer outros países contém muita embromação, pouca sinceridade cooperativa e duas realidades objetivas.
Uma é de que tomadores de decisão nos EUA acham que prejudicar as empresas chinesas no 5G é uma forma de revidar e conter o fato amplamente documentado de que a China pratica espionagem corporativa em larguíssima escala. Algo facilitado pelas novas tecnologias de informação e comunicação criadas a partir da internet e levado a um novo patamar com o 5G.
Outra é a de que o mundo da telecomunicação móvel, daqui pra frente, é um de riscos cada vez mais altos e mesmo maiores incertezas relacionadas à segurança cibernética. Tanto em relação à privacidade de dados quanto a riscos físicos.
Sobre onde está e para onde vai a privacidade de dados, o conceito do vice-presidente da Google, Vinton Cerf, é o que está se impondo. Cerf acumula o curioso cargo de evangelista-chefe da internet para a empresa e acredita que privacidade foi uma “anomalia” social circunscrita às grandes áreas urbanas dos séculos 19 e 20. Ou seja, está elaborando uma jurisprudência moral adequada à manipulação da privacidade no mundo atual. Por outro lado, dentro da indústria, há quem aposte que a briga por privacidade e direito de propriedade sobre os próprios dados vai se expandir cada vez mais, como admite o presidente da Microsoft, Brad Smith.
Quanto aos riscos físicos, eles aumentam porque o 5G estará na automação das indústrias, do agronegócio, da infraestrutura que rege o funcionamento das cidades, nos armamentos. Em suma, tem sonhos de ubiquidade e de sobreviver a governos.
Após perceber que era fraca a lógica de simplesmente pedir por aí que países proíbam a participação chinesa no 5G, um ramo do governo americano passou a incentivar a criação de um 5G de código aberto. Estratégia liderada por Lisa Porter, do Departamento de Defesa, faz mais sentido em termos de parceria de desenvolvimento do que o que o Departamento de Estado vinha propondo até então.
Com o leilão em suspenso (espera-se que pelo menor tempo possível), o Brasil pode aprimorar sua estratégia para o 5G. Deve solicitar à China a implantação aqui de um Centro de Avaliação de Segurança Cibernética da Huawei nos moldes do que existe no Reino Unido. O governo brasileiro deve também se debruçar no acordo da Huawei com a Índia para saber o mínimo que deve almejar.
Com relação aos EUA, sugiro ao governo que, toda a vez que uma autoridade brasileira receber pedidos para restringir a participação chinesa no 5G brasileiro, deve retornar pedindo que empresas, universidades e pesquisadores brasileiros — civis e militares — participem a sério do atual esforço estadunidense, liderado pelo Pentágono, de se construir uma alternativa americana e a princípio de código aberto de 5G. Se os EUA tiverem uma compreensão de América não puramente nacionalista, mas regional, não violenta e cooperativa, é possível trabalhar junto.
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