IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Discurso de Abertura
IV Conferência Nacional de Saúde Mental
Discurso de Abertura
Alberto Beltrame – Secretário Nacional de Atenção à Saúde – Ministério da Saúde
Saudações iniciais…
Saúdo, de maneira particular, o Ministro Vannuchi, cuja presença, juntamente com os demais companheiros de governo – da Saúde, do MDS, da SDH, da Justiça, da Educação, do Trabalho, da SENAD, da SEPIR, da SPM, representa e simboliza o que deverá ser a marca desta IV Conferência Nacional de Saúde Mental, a intersetorialidade.
Gostaria, também, de fazer uma especial saudação a todos os familiares e usuários presentes nesta Conferência.
Vindos de todos os recantos do país, têm o reconhecimento do Ministério da Saúde pelo grande esforço que realizaram para tornar possível esta IV Conferência Nacional de Saúde Mental. Esforço este que é sintetizado pela realização, em outubro de 2009, da Marcha dos Usuários da Saúde Mental à Brasília.
O Ministério da Saúde deseja, também, reconhecer a importância do papel desempenhado pelos movimentos sociais que lutaram pela realização desta Conferência.
Desejo saudar, ainda, a todos os delegados, convidados e participantes aqui presentes, que vieram de todos os estados do Brasil.
São mais de 1500 inscritos, que representam legitimamente suas associações e entidades.
Ao defendermos, em vários momentos, pontos de vista diversos, faremos desta Conferência o exercício do contraditório para a construção de nossos objetivos comuns – a luta pela cidadania e pela consolidação da Reforma Psiquiátrica.
Para chegarmos ao dia de hoje, passamos ao longo dos anos, por um grande acúmulo de conhecimento, discussões, de trabalho e de realizações.
A realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1987, foi um importante marco neste processo de construção coletiva.
Num cenário em que ainda não havia o SUS, esta I Conferência permitiu a aglutinação de forças na luta pela Reforma Psiquiátrica que, somando-se à luta pela Reforma Sanitária, foi coroada pela inscrição, em nossa Constituição, da saúde como um direito da cidadania e um dever do Estado e a criação do próprio Sistema Único de Saúde.
A II Conferência, em 1992, ocorreu no contexto da luta pela aprovação da lei da Reforma Psiquiátrica, apresentada pelo deputado Paulo Delgado, que nos honra com sua presença na noite de hoje.
Com expressiva participação de delegados entre usuários e familiares, esta Conferência defendeu e lançou as bases da substituição do modelo centrado na assistência hospitalar e a criação de rede substitutiva, formada pelos CAPS e pela Atenção Primária em Saúde.
A III Conferência, em 2001, já foi realizada sob a vigência da lei 10216, aprovada em maio daquele ano.
Num expressivo Relatório, esta Conferência consolidou as propostas de substituição do modelo asilar, e tem servido de subsídio aos gestores do SUS, em todas as esferas de
governo, na construção das práticas e da política de atenção de saúde mental em nosso país.
Hoje temos a honra de participar da abertura desta IV Conferência Nacional de Saúde Mental.
Convocada pelo Presidente Lula, esta Conferência se inicia com grande acúmulo e representa um salto de qualidade pois transborda das fronteiras da saúde e da própria saúde mental, para apontar para os caminhos da intersetorialidade.
Este avanço é de extraordinária importância, não apenas para a saúde mental, mas para a saúde pública, para a consolidação do SUS e das políticas que promovem a autonomia e a inclusão social dos cidadãos brasileiros.
A partir de agora só há um caminho. Avançar, avançar e continuar avançando. Retroceder, jamais.
Este é o compromisso que assumo em nome do Ministro Temporão e do Ministério da Saúde.
Avançar na radicalidade da defesa e do aperfeiçoamento da Reforma Psiquiátrica é, pois, o nosso compromisso.
Para avançarmos, no entanto, é fundamental que esta Conferência cumpra com seu papel. Realize um balanço da política de saúde mental, avalie seus resultados e trace caminhos.
Este é um momento de reflexão, de análise e de crítica, do exercício do contraditório, de reforço das iniciativas acertadas, correção de rumos e, eventualmente, de adequação de estratégia frente aos novos tempos e desafios.
Nestes últimos anos avançamos muito e temos muito a comemorar. Permanecem, no entanto, enormes desafios, que enfrentaremos com a mesma coragem e determinação de sempre.
Para conhecermos os avanços obtidos neste período, basta avaliarmos o quadro da atenção à saúde mental de que dispomos em 2010, nesta IV Conferência, e verificarmos a radical diferença existente entre este e aquele de que dispúnhamos há apenas 9 anos, por ocasião da III Conferência.
Os leitos psiquiátricos foram reduzidos num ritmo de 2000 leitos ao ano. De 51 mil e quatrocentos leitos passamos a 35 mil e quatrocentos, em um processo de redução gradual e planejado, mas constante e regular.
No financiamento da saúde mental do SUS, houve um significativo avanço.
Saltamos de pouco mais de 600 milhões de reais/ano investidos em 2002 para mais de 1,5 bilhão de reais em 2010.
Mais importante que o aumento do volume de investimentos realizados na área, fruto do compromisso desse governo com o setor, está uma profunda transformação na estratégia de alocação dos recursos disponíveis.
O financiamento da saúde mental do SUS, que concentrava 75% dos recursos para o pagamento de hospitais e apenas 25 % para os serviços extra-hospitalares, mudou radicalmente, invertendo esta proporção e corrigindo histórica distorção. Hoje, mesmo com o aumento de 31,8% nas diárias hospitalares em hospitais psiquiátricos concedido em 2009, o SUS, no nível federal, investe cerca 67,7 % de seu orçamento da saúde
mental nos CAPS e outros recursos extra-hospitalares, e 32,3 % no componente hospitalar.
Este processo de inversão tem como base uma decisão técnica e política. Se antes a saúde mental tinha como centro os hospitais, hoje o centro foi deslocado para o território, a comunidade, os CAPS e a Estratégia de Saúde da Família.
A rede de CAPS cresceu consistentemente. De 424 serviços existentes em 2002, passou a contar com 1541 CAPS neste momento. Isto significa que rede de CAPS triplicou no período, ampliando-se a cobertura populacional (CAPS por 100.000 habitantes) de 21% para 63%.
Da mesma forma, o processo de formação permanente foi ampliado. Hoje o Ministério da Saúde destina, anualmente, cerca de 90 milhões de reais para Estados e municípios, para que estes realizem programas de capacitação. Descentralizamos a educação continuada, e ampliamos seu financiamento.
As 30.000 equipes de saúde da família recebem formação e apoio para atender e aprimorar seus cuidados em saúde mental. As equipes são apoiadas pelos NASF, dispositivo criado para qualificar o PSF, sendo que mais de 30% deles conta com profissionais de saúde mental, como psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais e outros.
Em 2003 implantamos o Programa De Volta Para Casa, que tem sido utilizado por diversos países como modelo para o esforço de desinstitucionalização e inclusão social de pacientes que permaneciam longos anos nos hospitais de crônicos.
Além disto, já no caminho da intersetorialidade, a Saúde associou-se com a política de Economia Solidária, do MTE. Hoje já contamos com mais de 400 iniciativas de geração de renda para usuários e familiares de saúde mental, que funcionam como proto-cooperativas sociais. É preciso que trabalhemos pela mudança da lei das cooperativas para que estas iniciativas se consolidem, efetivamente, como cooperativas sociais, significando um poderoso mecanismo de inclusão social para os usuários.
Do mesmo modo com a Cultura, a Saúde associou-se com o programa dos Pontos de Cultura criado no governo do Presidente Lula. Esta associação, que está apenas começando, já significa uma das maiores esperanças para a consolidação da Reforma Psiquiátrica.
Além destes pequenos exemplos, muitos outros poderiam ser citados.
Por tudo isso, pelos avanços já verificados e pelos outros tantos que ainda haveremos de conquistar, penso que podemos, de fato, dizer que estamos vivendo uma etapa avançada na implantação da Reforma Psiquiátrica.
É preciso, no entanto, também falar dos problemas e desafios existentes e que devemos enfrentar.
Muito ainda há por fazer.
Precisamos melhorar o atendimento das emergências, treinar melhor e mais intensamente as equipes do SAMU para o atendimento mais adequado e humanizado em saúde mental. Precisamos continuar reduzindo os leitos hospitalares do modelo anterior, e reforçar a participação dos hospitais gerais e dos CAPS III – serviços de 24 horas – para aqueles casos que necessitam internação.
Muitos pacientes moradores ainda permanecem internados.
O Programa de Volta para Casa precisa ser ampliado, assim como precisamos vencer obstáculos financeiros e técnicos para criar mais residências terapêuticas, de modo a permitir que mais nenhum paciente seja morador de hospital psiquiátrico. O hospital não é lugar para se morar. Este é, ainda, um grande desafio a vencer completamente.
Precisamos, ainda, trabalhar sem descanso para ampliar a consciência da sociedade brasileira sobre a importância da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, as vezes pouco compreendida, especialmente pela mídia.
Por fim, é preciso falar de um problema recente e muito grave. Problema que tem freqüentado, diáriamente, os noticiários dos rádios, jornais e TVs. Refiro-me à questão das drogas, especialmente do Crack, que tem destruído tantas vidas e esperanças de usuários e familiares.
Este problema está no centro das atenções do governo e do Ministério da Saúde. O Presidente Lula lançou, recentemente, o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, que de forma ordenada encadeia as ações intersetoriais destinadas a enfrentar este tão grave problema.
Estamos reforçando os CAPS AD, transformando-os em CAPS-AD 24 horas, criando consultórios de rua, casas de passagem, pontos de acolhimento, criando mecanismos financeiros para ampliar a oferta de leitos hospitalares.
Precisamos resolver o desafio da internação hospitalar para estes casos.
Não a internação que desrespeita os direitos humanos e a liberdade dos pacientes. Mas a internação que protege, que promove a autonomia, que respeita a vontade e as características culturais do paciente. Estamos estimulando hospitais gerais a terem um papel mais importante no encaminhamento deste problema.
Também estamos criando, em estreita cooperação com o MDS, Casas de Acolhimento Transitório. Estamos dialogando com as instituições filantrópicas e religiosas que se dedicam ao problema, para definirmos outras estratégias de enfrentamento.
Estamos frente a um dos grandes desafios da Reforma Psiquiátrica. É preciso dizer, no entanto, que esta é uma questão de saúde pública e uma questão social. Não podemos permitir que, por conta da gravidade do crack, os direitos humanos e a liberdade sejam desrespeitados. O desafio está posto, não só para a saúde, mas para todos os atores envolvidos e deve ser tratado dentro da intersetorialidade que a questão requer.
Senhoras e Senhores,
O Ministério da Saúde e, por certo todo o governo e os demais gestores do SUS, tem uma enorme expectativa com o desenrolar desta Conferência, com seus resultados e recomendações. Desejo assim, um bom e profícuo trabalho a todos e que tenhamos uma IV Conferência Nacional de Saúde Mental que nos ajude a continuar construindo a história da atenção à saúde mental em nosso país,
Muito Obrigado.