Modelo Indomável
Estado de Minas e Correio Braziliense – domingo, 11 de Março de 2012.
Imaginar o movimento mundial para mudar a qualidade de vida não é mais um exercício de futurologia. Tudo anda tão estudado por métodos e critérios comparativos, analíticos, dedutivos e aproximativos, que aumentou a previsão sobre a realidade. Antecipar cenários é uma boa ferramenta para governos reverem estratégias de crescimento e concentrarem energia e atenção nas escassas ou abundantes possibilidades de mudarem o rumo do que não anda bem.
Gostando ou não, é preciso entender o ritual das conferências internacionais sobre mudanças climáticas. É possível prever que o país que não se preparar para eventos extremos, com mecanismos de prevenção e diminuição da agressão à natureza, pode se considerar carta fora do baralho da qualidade de vida. Remanejar prioridades e deter a poluição é tão inevitável que não depende tanto de vontade ou criatividade dos países. Nem da disposição política para reunião, fóruns e cúpulas de quase tudo. Para superar a realidade da destruição do planeta é preciso consumir menos e adotar melhores práticas ambientais e sociais. Que país será o primeiro a frear a fabricação de mercadorias desnecessárias e inadequadas?
Outro fator na definição da qualidade do futuro é a consequência extraordinária da mudança por que passa o sistema produtivo. Quem confia em estatística baseada na divisão tradicional entre indústria, agricultura e serviços não conseguirá entender a lógica da gangorra econômica mundial. A indústria de transformação está desaparecendo, a negociação comercial não terá intermediário e a pressão por controle de qualidade feita por consumidores organizados derrotará marcas e governos. Recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) será a pior maneira de buscar inserção internacional. A Organização não alcançará toda a cadeia produtiva e de consumo e será abandonada pelos grandes competidores diante da fragmentação do processo produtivo e da incapacidade política de dar solução rápida sobre protecionismos, arbitragens e outros contenciosos. Acordos de livre comércio e zonas industriais partilhadas serão mais adequados à descentralização da produção do que a atual concentração que afeta a sustentabilidade ambiental e tira qualidade da circulação de pessoas e mercadorias.
O mesmo pode ser dito da equivocada tendência para a concentração urbana que expande mais ainda as megacidades. Será um contrassenso deixar de imaginar soluções mais criativas e colaborativas para o sistema de transporte, lazer, moradia e segurança pública. Só a pressão dos moradores poderá salvar seus bairros e ruas da ambição dos construtores. E se quisermos que nossos descendentes tenham carro, é preciso mudar seu combustível e a forma de usá-lo. É claro que muito se pode esperar da evolução de equipamentos e máquinas, mas uma nova cultura de convivência coletiva terá que ser urgentemente criada e estimulada.
Quando a Inglaterra sepultou o mercantilismo, criando as primeiras máquinas que deram produção de escala ao capitalismo, a Alemanha sentiu o golpe e Alexander Humboldt, cientista curioso de todos os mundos, fundou a Universidade de Berlim, escolhendo a educação e o conhecimento como outro fator de produtividade. Não é coincidência que o que há de mais correto no mundo moderno segue mais os vislumbres dos que apostam no conhecimento.
Não se trata de copiar modelos, mas é inspirador que o exemplo dos países nórdicos – Suécia, Noruega, Dinamarca e Finlândia – desponta em qualquer cenário de boas práticas sociais e desenvolvimento sustentável. Maior taxa de alfabetização, melhor IDH, menor índice de percepção de corrupção, maior liberdade de imprensa e mais alto índice de maturidade tecnológica são alguns dos postos ocupados por esses países. Eles são a prova concreta de que é possível um Estado fornecer ampla segurança social para os cidadãos, manter elevada transparência, zelar pelas gerações futuras de seus países e ainda de quebra se dedicar a influenciar, pelo exemplo, bons caminhos para o planeta. São países pequenos, mas que sabem que a prosperidade não é uma medida apenas da taxa de crescimento econômico. O caminho para o mundo seguir sem explodir é mudar valores e não querer ser competitivo a todo custo.
Existem boas referências atuais de sociedades bem resolvidas, onde crescer não contém um disparate. Razoável é não se fechar ao novo nem aceitar sem crítica seus humores. E ficar atento para o fato de que há uma imperfeição escandalosa no mundo: a falta de limites para o progresso anda retirando das pessoas a relação espontânea com a vida. E levando junto o bom senso. O futuro exige domar esse modelo e substituí-lo por uma lógica não consumista, coletiva e colaborativa.
Paulo Delgado é sociólogo e foi deputado federal.