O Desamparo do Desejo
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 26 de agosto de 2012.
As crianças não sonham com dinheiro, por isso sua felicidade não vem da riqueza material e nem seus desejos têm limites. Em sua alegria mais espontânea pedem e querem o que as encanta. Os adultos nem sempre estão atentos para as mudanças na vida atual. Poucos percebem que andar, respirar, comer ou dormir não são mais funções naturais, realizadas com autonomia. Nem se dão conta de que o estudo está diminuindo o peso da riqueza das nações — de uma maneira geral, o PIB de um país aumenta segundo o grau de leveza dos produtos que fabrica. Também não se preocupam em saber quanto de educação existe em cada produto que utilizam, seja o arroz, o remédio ou o avião. Estudar e desejar podem não ter muita relação entre si na vida das crianças, mas quando botam o pé na escola, e começam a se despedir da infância, o conhecimento da realidade das coisas é que as deixa menos a mercê de acidentes, crises e frustrações.
O governo japonês, cuja economia está estagnada e não cresce há décadas, está preocupado com o fato de que as escolas do país estão formando crianças menos criativas. Na França, os professores estão assustados com o aumento do número de estudantes iletrados que chegam à universidade. No Brasil, há ainda muita verdade no verso de Noel Rosa: “Minha terra dá banana e aipim, meu trabalho é achar quem descasque por mim”. Felizmente, aumenta no mundo a sensação de que somente pela via da educação é possível avançar e estancar a reprodução de classes que impede a mobilidade social para os mais pobres. Para isso, a sabedoria e o sucesso não podem ser entendidos como coisas do universo da sorte, ou fato tão simples como assentar numa poltrona. Nem é justo continuar achando que estudar é o mais cansativo dos ócios.
O maior produto da sociedade atual é a desigualdade e a falta de cooperação entre as pessoas. Vivemos constantemente fragilizados e com muitas dúvidas em relação ao futuro. Mesmo com tanta abundância, há uma sensação de vazio preenchida por criminalidade fútil, excesso de informação desnecessária, inconsistência nas relações sociais, infelicidade repleta de festas e encontros sem destino. Daí esse conhecimento desamparado de sentido que empurra pessoas e países para noções distorcidas de progresso e competitividade.
Algumas questões são óbvias e dentre elas estão ideias antigas que fizeram algumas sociedades mais avançadas que outras: ciência e cultura; estudo e cooperação; solidariedade e reciprocidade; tecnologia e inovação; democracia e liberdade; e, reconheçamos, um comportamento previsível perante as leis. Os fundamentos de uma escola não podem desconhecer a cultura nacional nem deixar de ter interesse e curiosidade sobre o que se faz em outros países. Os asiáticos, por exemplo, são mestres em olhar e copiar o melhor do mundo. Veja-se o caso da Coreia do Sul, que, em menos de uma geração, repetiu o feito japonês de décadas passadas e produziu, segundo a imprensa norte-americana, o carro do ano no país da Ford. A China vai atropelando meio mundo com seu socialismo capitalista. Além de enviar a primeira mulher ao espaço e se preparar para ir á Lua, é o país que mais estudantes manda para o exterior. Do lado empresarial, o ritmo é o mesmo quando impulsionado pela criatividade dos itinerários que os países escolheram para si. Só a IBM, Sansung e Microsoft, juntas, registraram, ano passado, mais patentes do que a América Latina em toda a sua história.
O jornal Washington Post acaba de publicar um estudo da Universidade Georgetown, de Washington, sobre os efeitos da crise econômica no mercado de trabalho americano. A pesquisa mostra a importância da boa formação superior na recaptura de empregos perdidos. O relatório confirma “que a recessão atingiu graduados e não graduados de forma diferente, mas o tamanho da diferença é dramático”. Quem estudou mais perdeu menos emprego ou está se reempregando mais rápido.
Mas atividades inovadoras, responsáveis pelo dinamismo da economia do conhecimento, em virtude de sua alta complexidade, só são capazes de influenciar a cultura da sociedade se atingirem volume e persistência. E é igualmente necessário que sejam oferecidas em ambientes arejados e estimulantes, capazes de admitir, admirar e financiar alunos e cientistas talentosos, cujas vocações despontam desde o ensino básico. Para que a atividade científica possa representar ou estimular cadeias produtivas completas, todos os setores devem estar associados em todos os níveis de produção.
Os instrumentos de entendimento e participação no mundo contemporâneo estão aí à disposição de todos os países, mas têm sido mais bem utilizados por aqueles que superaram a cultura da reclamação e a confortável mania de pôr a culpa nos outros.
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Paulo Delgado é Sociólogo. Foi Deputado Federal.