O novo Congresso: uma opinião
Revista “Por SINAL” nº 19 : janeiro de 2007
Mudança de legislatura é sempre esperança de tempo novo. Desde que mudem mentalidades mais do que pessoas e o Parlamento não sucumba à fadiga das repetições de comportamentos evitáveis e desnecessários. Em política, forte é o óbvio e seus compreensíveis esforços para ser realista, gradualista, democrático. A democracia é a negação da unanimidade, é o possível, mas não precisa ser o imperfeito e nem o injustificado.
O novo Congresso Nacional tem que ter um compromisso com a modernização do Estado e o sistema de produção de poder no Brasil. Está esgotado o modelo do presidencialismo de coalizão e de coabitação criado em meados dos anos 80, que passou por todos os governos dos anos 90. Chegou ao nosso governo e está se configurando, erroneamente, de novo como política de produção de base parlamentar no nosso segundo governo. É um erro essa idéia de dividir o Estado para buscar estabilidade política, e dividi-lo entre partidos e políticos por justaposição e princípios de boa convivência. A conseqüência é se estabelecer uma governabilidade com preço alto e volátil. Sem um projeto mobilizador de todos os setores, a política vai se deslocar cada vez mais do centro de reflexão da sociedade em que nós vivemos. E o povo não vai se interessar por esse tipo de política dos políticos.
Outro compromisso central é convencer ao governo da importância do Parlamento na orientação das prioridades econômicas, fazendo da política industrial e da expansão de empregos o principal fator da estabilidade da moeda e do crescimento sustentável.
“Tudo é política, mas a política não é tudo”, já dizia o pensador italiano Norberto Bobbio. Ou seja: há um componente cultural, civil, familiar, comunitário, econômico. A política é bem comum e não distribuição de cargos entre partidos e pessoas. Mas vejo que para produzir autoridade, vigor e força, é preciso que o governo tenha capacidade de envolver os partidos políticos e os parlamentares em propostas de modernização da sociedade. Predominam no Congresso pessoas de bem, parlamentares de todos os partidos que expressam claramente esse sentimento de mudança que a sociedade quer. O que deve decidir a posição política
de progressistas é sempre a reflexão crítica, e mais o senso de dever, do que o senso de interesse, porque a política não pode ser mero exercício do poder. Os cargos devem ser expressão e plataformas de ações governamentais de longa duração.
O novo Congresso deve ser contra a apropriação privada da política e lutar nessa legislatura para mudar essa realidade e a perda de confiança na política como atitude democrática. A política não pertence aos políticos. Pertence à sociedade e aos cidadãos.
É preciso que o governo também não seja antiparlamentar. Não tenha preconceito de imaginar que só se recrutam no Parlamento políticos fisiológicos, que não tenham senso de dever e honra pessoal. A maioria do Congresso pode servir ao país através de suas próprias iniciativas, harmonizadas com as políticas públicas impulsionadas pelo governo.
Na campanha eleitoral não houve um tema convocante e uma bandeira política clara, de mudança, de modernização da sociedade brasileira. Essa foi uma das maiores características dessa eleição: teve uma função meramente rotineira, da rotina do sistema democrático. O que não é ruim, mas não contribuiu para propagar ou consolidar nenhuma das virtudes públicas do sistema democrático. E o eleitor, de uma certa maneira, reage como os partidos lhe apresentam a questão nacional da representatividade parlamentar.
Se for proposto ao brasileiro um debate programático e um processo de reflexão sobre os caminhos para a sociedade, em que valores mais estruturantes e progressistas sejam o tema, o brasileiro é um aliado sempre com seu voto. O sistema eleitoral tem mais virtudes do que defeitos. O problema é quando predomina na relação com o eleitor a troca de favores. Esse fisiologismo político em que o eleitor acha que o candidato está atrás de emprego pessoal e o eleitor está atrás de benefícios pessoais, em que uma das mãos suja a outra, foi a marca desta eleição.
Se o sistema de poder, seja o Legislativo, Executivo ou Judiciário, não pune os cidadãos que se apresentam ao eleitor como candidato, não se deve pedir ao eleitor ou ao candidato que cumpram uma função que é das instituições estáveis. E é das instituições permanentes, que recebem recursos públicos para serem eficientes e capazes de julgar o delito e considerá-lo crime, e até punir os infratores. No Brasil não é tradição o tratamento político do erro como erro. Ninguém é punido pelo fato de errar. Nesse aspecto, o debate sobre a legislação nacional, os problemas que nos afligem, desaparecem do cenário. Mas não é culpa do eleitor: o eleitor não é o Poder Judiciário, a burocracia partidária, a estrutura de poder do país. O eleitor reflete, embora seja a base da legitimidade do poder, os candidatos que lhe são oferecidos pelo sistema institucional. Se o candidato foi aprovado pelo partido, pelo Judiciário e as instituições legais do país para se apresentar na eleição, cabe ao eleitor dizer sim ou não ao candidato. E não se comportar como se fosse um juiz, promotor ou delegado. Ele reage conforme lhe é apresentada a política. E hoje política é propaganda. A publicidade retirou da política essa substância mais profunda e confundiu o certo e o errado. Mas o mandato-caricatura é sempre minoritário e fugaz.
Em muitos aspectos, o voto não é um fator de socialização. Quer dizer: se a escola não é um fator de socialização, o voto muito menos é um fator de socialização de uma maneira geral. E a expressão clássica disso é votar para resolver problemas pessoais e não para resolver problemas nacionais. Cabe ao novo Congresso frustrar um pouco esse tipo de eleitor e político egoísta e zelar pelo bem comum, melhor forma de ajudar a todo o povo individualmente.