O Parlamento da Humanidade
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 18 de Setembro de 2016.
A 71ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas começou terça-feira, dia 13, em Nova York. Terça que vem, dia 20, terão início os debates com a participação dos representantes de cada um dos 193 países membros. Um código não escrito dá a palavra primeiramente ao Brasil. A amplitude dos temas que passam pela ONU não impede que algumas agendas se imponham. Dentre elas é tempo de se substituir o Secretário-Geral e de melhorar as diretrizes que lidam com a crise de refugiados no planeta.
O governo português apresentou seu ex-primeiro-ministro, Antônio Guterres, para concorrer ao cargo de Secretário-Geral. Em seu mandato, de 1995 a 2002, Guterres se destacou internacionalmente pelo empenho em resolver a crise no Timor Leste. Foi ali que o conheci, apoiando a missão chefiada por Sergio Vieira de Melo que deu a independência ao Timor. Durante dez anos, até 2015, Guterres serviu à frente do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Como é, hoje, a mais grave questão humanitária do planeta, o drama dos refugiados deve levar, em comum acordo, a Guterres como candidato natural a dirigir a ONU. Sintomaticamente, na segunda-feira, a Reunião de Alto Nível sobre Grandes Movimentos de Refugiados e Migrantes ocorrerá.
Atualmente, o que o distancia do cargo é a insistência russa por um secretário-geral oriundo do leste europeu. Nesse caso, a búlgara Irina Bokova, atual diretora-geral da UNESCO, reuniria as características buscadas pelos desconfortáveis com a solução portuguesa. Fala russo, é mulher (atributo defendido por Ban Ki-moon, que tentou emplacar sua antiga chefe de gabinete, a argentina Susana Malcorra), mas não une nem o fragmentado leste europeu.
No momento em que a II Guerra Mundial aproximava-se do fim, líderes das nações vitoriosas se encontraram em Bretton Woods a fim de delinear as futuras bases econômicas da coexistência e da interação internacionais. Cerca de um ano depois, um maior número de representantes traria à luz a instituição política central para todos esses arranjos que dariam sustento ao novo sistema internacional. Nascia ali a ONU, o parlamento da humanidade, como a ela se refere o historiador britânico Paul Kennedy em uma das obras mais interessantes sobre a história e o futuro dessa instituição. Que é utópica, no que tem de melhor, e um tanto quanto ainda desalentadora, no que tem de prático. Sua função seria trazer algumas linhas de harmonia e previsibilidade legal para um sistema internacional intrinsicamente anárquico.
A partir de suas sedes nos EUA, a ONU e as instituições de Bretton Woods, institucionalizariam e regeriam o novo balanço de poder, como também lidariam com os desafios internacionais a fim de possibilitar um mundo mais seguro e próspero.
A promoção das relações econômicas e da governança mundial eram vistas como obrigatórias para pavimentar uma estrada harmoniosa para a prosperidade. O mundo parecia cansado dos “sofrimentos indizíveis” provocados pelo ” flagelo da guerra “, como resumido no preâmbulo da Carta das Nações Unidas. No entanto, uma divisão ideológica não levaria muito tempo para crescer com força das cinzas da guerra, tornando todo o mundo cativo durante as décadas seguintes. Veio o tempo das prioridades políticas traçadas no âmbito da Guerra Fria.
Hoje a bipolaridade se encontra substituída pela multipolaridade. Que boia num arremedo de globalização que impede o surgimento de um líder capaz de usar com sabedoria suas qualidades. Capaz de vislumbrar alguma solução para problemas transnacionais comuns.
Os hotéis de Nova York estão lotados para a semana da discussão sobre o que fazer com desalojados, desabrigados e refugiados mundo afora. O presidente Barack Obama diz querer aumentar o número de refugiados aceitos nos EUA. Em 2015, os EUA receberam setenta mil refugiados. Em 2016 serão oitenta e cinco mil. Espera-se que possa se comprometer com algo que rompa a barreira da centena de milhar. E isso em meio às dificuldades de um período eleitoral.
O Brasil, país formado por imigrantes e cuja tradição é sempre fazer o que pode, mas nunca fazer o bastante, abriga menos de dez mil refugiados. Indiferente a guerra na Síria que já produziu cinco milhões de refugiados. Tem procurado fazer melhorias burocráticas interessantes a respeito de recepção de refugiados. Todavia, até hoje, não ocorreu a formulação, nem de um discurso, nem de uma estratégia, para que o país se responsabilize e contribua com algo digno de sua grandeza para a solução de uma das mais lastimáveis situações contemporâneas.
Que Portugal, que tantos países descobriu, dirija a ONU. E encontre uma solução para dar paz e prosperidade aos afligidos que buscam onde viver.
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PAULO DELGADO é sociólogo.