O Pêndulo de Foucault
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 6 de Abril de 2014.
Dentro do prédio do Panteão em Paris balança para lá e para cá um pêndulo criado pelo físico francês Jean Bernard Léon Foucault. Engenhoca que é a mais didática demonstração de que o mundo dá voltas. A própria história dos panteões espalhados pelo mundo alude a isso. O mais famoso, o romano, nasceu dedicado a todos os deuses do politeísmo, para depois ser convertido em templo de todos os santos do monoteísmo católico. Já o francês, construído para abrigar o relicário de Santa Genoveva, padroeira de Paris, em pouco tempo veio a Revolução Francesa e saiu a Santa para entrar o corpo do moderado revolucionário Mirabeau. Desde então, são constantes os imbróglios para decidir quem entra e quem sai desse templo da glória póstuma republicana. Não raro ocorre de alguém ali entrar levado pelo povo em honrado cortejo, para anos mais tarde ser dali lançado fora pelo mesmo povo que descobriu desgostar de quem anteriormente tanto gostava. O próprio Mirabeau só durou três anos por ali.
Se gostos e desgostos mutantes animam até as relações com deuses, santos, mártires e mortos, o que se pode esperar do que se passa com o humor no campo das paixões políticas?
É ruidosa e em boa parte correta a insatisfação com as ciências sociais aplicadas em lançar hipóteses sobre o padrão do comportamento humano face a contextos determinados. Mas a história mostra haver relação entre humores pessoais e movimentos sociais. O que ocorreu na eleição francesa da semana passada é justamente um desses movimentos. Afinal, a longa duração de crises leva à radicalização e também à saturação. A política é de fato pendular e vive mais nas extremidades do que no centro.
Em 2008, a população francesa optou por uma significativa guinada à esquerda em suas eleições municipais. Decisão tomada em meio à erupção da crise financeira global e que foi confirmada quatro anos mais tarde quando descartaram Sarkozy, do centro-direitista UMP, e ergueram Hollande, do Partido Socialista. Dois fenômenos raros ocorreram naquela eleição: primeiro, desde 1981, não ocorria de um presidente francês não ser reeleito, e, segundo, acontecia que Hollande era improbabilíssimo candidato, já que era apenas – na melhor das hipóteses – a quarta opção entre os socialistas. E em um país em que se respeita até exageradamente a fila, a vitória de um azarão já o coloca desde o início sob suspeição.
Países organizados como a França não gostam de azarões. Podem até prestigiá-los levianamente, mas não gostam deles. Isso porque o sucesso do azarão, o desrespeito da fila da hierarquia, põem em xeque o próprio sentido e valor de suas instituições. E se há algo que países organizados têm em comum é o fato de serem extremamente ciosos de suas instituições. São elas que peneiram e processam o futuro do país. Todavia, existem as crises, especialmente as longas, para abrir brechas na tradição.
O resultado das atuais eleições municipais da França é símbolo concreto da insatisfação popular com relação às instituições estabelecidas – especialmente com relação aos dois partidos que dominam a política do país –, e da adesão crescente ao grupo contestatório que melhor se organizou e enraizou ao longo dos últimos anos: o Front Nacional.
Em menos de uma década, o eleitor francês apostou em peso suas fichas ora na direita moderada, ora na esquerda moderada e agora crescentemente na extrema-direita. Ainda longe de ser algo próximo de uma opção majoritária, há uma tendência sendo delineada.
Tendência que já preocupa não só porque as lideranças do ascendente Front Nacional aderem de forma definitiva a doutrinas rechaçadas nos países da União Europeia e da maioria das nações ocidentais, mas também porque, pragmática e sem princípios, a hora da política passou a ser marcada em relógio sem ponteiro.
Manuel Valls, novo primeiro-ministro francês, é a demonstração de que Hollande entende isso. Se o povo quer a direita, daremos ao povo um socialista de direita. Anti-imigração, preconceituoso, foi menino estrangeiro tornado nacionalista fanático da pátria que escolheu. Caçador de ciganos, firme chefe do poder de polícia do Estado francês. Para quem leu Os Miseráveis, alguém muito mais Javert do que Jean Valjean.
Isso mostra que o representante do povo é mais pragmático que o povo quanto se trata de preservar o seu poder. Hollande, eleito para mudar por estar à esquerda de Sarkozy, aceita entregar o governo às ideias e práticas que prometia combater.
Tendo experimentado de quase tudo em tão pouco tempo sem ter chegado a algum equilíbrio, a presente República Francesa anda tão dissonante quanto os personagens pendulares que sobem e descem de seu Panteão. Sinal de mais confusão na política mundial, incapaz de se concentrar nos desafios do futuro.
PAULO DELGADO é sociólogo.