O que virá?

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 1º de janeiro de 2012.

O que o Brasil, agora a sexta economia do mundo, pode esperar dos seus quatro maiores parceiros comerciais — China, Estados Unidos, Mercosul e União Europeia — no ano que se inicia? Os dois primeiros são verdadeiras civilizações: uma, a mais antiga, mais resiliente, a que se enxerga uniforme e distinta; a outra, a principal joia da contemporaneidade industrial, capitalista e competitiva, com sua cultura formada pela fusão de muitas outras na rapidez estonteante do desenvolvimento do último meio milênio. Do lado ocidental, tem-se uma inaudita tensão crepuscular que traga seu bipartidarismo em disputas fratricidas; do oriental, o vigor que faz cada dia ser melhor do que o anterior, levando seus autocráticos governantes a serem confrontados por um povo com maiores demandas em troca de estabilidade e harmonia.

Já Mercosul e União Europeia, blocos regionais, têm medo de se abrir de vez em meio às inovações de um mundo cada vez mais interconectado. O Mercosul termina o ano mais uma vez com o ambíguo fato de conviver com uma confusão de modelos fiscais, desprezo pela poupança e não conseguir aglutinar toda a América do Sul. E a União Europeia, maior bloco comercial coletivo do mundo, vive um de seus mais atribulados períodos, com a tensão através do Canal da Mancha aproximando-se, em 2011, do extremo.

Como é previsível, 2012 não aparenta ser o ano em que o desarranjo global se resolverá. Se 2011 foi o ano em que os problemas econômicos, originados do arrastar da crise financeira, encontraram um mundo político com pouca vontade de resolvê-los, 2012 será, sobretudo, um ano comparativamente bom para os países que souberem não desperdiçar as brechas que a crise oferece para avançar sobre o que até então estava travado.

O exercício de influência geoestratégica dos voluntariosos Estados Unidos e China dificilmente deixará de ser tragado pelo desenrolar da sucessão na fechada Coreia do Norte. Morto o velho ditador, fica o poder para seu caçula, ainda uma incógnita sobre a extensão de sua inexperiência. Os próximos meses são cruciais para delinear o futuro do país. Será que uma reforma à chinesa pode ser vislumbrada no horizonte? Ou os novos soberanos vão insistir no isolamento anacrônico, caricato e cruel? Sem uma figura forte e com aura de legitimidade no comando, é difícil imaginar a direção e o caminho da Coreia vermelha. O certo é que a dúvida é vista por todos os países diretamente interessados em exercer uma influência na região como um momento imperdível para definir o curso dos eventos. E nesse afã de fazer valer cada um seu interesse, uma fraca Coreia do Norte aumenta a chance de escalada das tensões entre terceiros.

O acordo inter-regional entre Mercosul e União Europeia, debatido desde 1995, quase concluído em 2004, paralisado até a 6ª Cúpula América Latina, Caribe e União Europeia, foi retomado em 2011. A expectativa é de que o acordo seja fechado em 2012. Mas numa situação em que a atual rodada multilateral de redução das barreiras ao comércio internacional, iniciada em Doha há 10 anos, foi abandonada e permanece à deriva, os países têm buscado avanços bilaterais. Avanços que, ainda que não sejam ideais, trazem consigo alguns benefícios, dentre os quais o principal é não deixar as tentações de um protecionismo assustado e contraprodutivo subirem a cabeça.

O que vai ser da Zona do Euro? A parte mais coesa da União Europeia se esboroará ou se fortalecerá? 2011 pode passar para a história como o ano em que os líderes europeus começaram a enterrar sua jovem união monetária. Pode ser também o ano em que levaram a situação até a beira do insuportável. Para só então, finalmente, dotá-la dos mecanismos necessários e poderem, sem que haja ainda uma política fiscal orquestrada, melhorar a coexistência dos 17 países que compartilham da mesma política monetária. A saída para a Europa é mais união: o que será alcançado, do lado econômico, com integração fiscal. O filósofo Jürgen Habermas, pensando em todo o resto, tem alertado para o perigo que corre a democracia no velho continente se o projeto de uma Europa unida falhar.

Na China, são movidas as últimas peças do xadrez para a renovação de seu comando central. Há, dentro do Partido Comunista (PCC), o conflito de dois modelos para o futuro: ou maior liberalização e promoção da livre iniciativa empresarial, que vem da província de Guangdong; ou mais protecionismo, com expansão da musculatura estatal sobre amplas áreas, que vem da retórica do PCC da província de Chongqing. Observar seu desfecho é uma forma de ser realista.

Nos EUA, 2012 é ano de sucessão presidencial e torcer pela reeleição de Obama é uma forma de ser otimista.

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Paulo Delgado é sociólogo e cientista político.


Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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