Os bilionários
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 10 de março de 2013.
Se a luz não for muito forte, todo mundo pode ter boa aparência. O magnetismo da Bolsa de Valores e a proteção dos governos é a atual jurisdição dos sonhos, a abelha rainha das fortunas bizarras. A riqueza é realmente um valor, mas vê-la associada à facilidade e ao privilégio, desvinculando sua origem do trabalho, da lucidez e da liberdade é elogiar pessoas pela sua situação sem se interessar pela sua prática.
A lista da revista americana Forbes sobre os bilionários do planeta em 2013 aponta 1.426 pessoas que controlam pelo menos um bilhão de dólares cada uma. Somadas suas fortunas, os bilionários do mundo detêm US$ 5,4 trilhões, pouco mais do dobro do PIB brasileiro e pouco menos do total do PIB japonês, país de 126 milhões de habitantes e que ocupa a terceira posição entre os maiores PIBs do mundo.
A fortuna dos bilionários atuais é 7,5% do PIB global. O Brasil, curiosamente, acompanha perfeitamente essa distribuição. Assim, a soma das fortunas de todos os 46 bilionários brasileiros da lista da Forbes chega a 189,3 bilhões de dólares, valor equivalente a 7,6% do PIB nacional. Ou seja, os 46 bilionários brasileiros têm em conjunto mais da totalidade do PIB do Peru, com seus 30 milhões de habitantes, ou da rica Nova Zelândia, com seus 4,5 milhões de habitantes.
Uma parte considerável dos bilionários começou com uma gorda herança, algo em torno de 30% entre os 400 mais ricos, mas a realidade das crises do capitalismo é evidente na lista, que tem seus cinco primeiros postos ocupados por pessoas que construíram suas fortunas há pouco tempo. Assim, a velha estirpe dos Rothschilds e Rockfellers nem aparecem mais, simplesmente porque a riqueza velha e aristocrática sumiu no transe hipnótico das fortunas desses ricos que você não convidaria para jantar.
Outro aspecto curioso dessa forma de contagem é que ela expõe algumas facetas do tipo de capitalismo que se encontra em cada país. Uma olhada na lista da Forbes logo mostra como o modelo de capitalismo japonês, que bem serviu ao país para levá-lo da destruição da guerra aos cumes da riqueza mundial, não é propenso a gerar indivíduos bilionários. A riqueza japonesa é mais distribuída em bases familiares e entre as várias camadas hierárquicas de seus mega conglomerados. Há muito menos bilionários no Japão do que no Brasil e na Rússia , por exemplo.
Também, é sintomático que, apesar dos EUA continuarem sendo o lugar que mais produz novos bilionários, a renda per capita dos países não é a razão de tudo. Não é estranho que após os EUA, são Rússia e China que detêm o maior número de grandes fortunas. Igualmente, a pessoa mais rica do mundo não vem de país rico. Pela quarta vez seguida, o mexicano Carlos Slim, que espalha suas comunicações por todo o mundo, se consolida como o típico rico de folhetim, sem o charme do rico proustiano.
O economista americano recentemente falecido Albert Hirschman, em um dos seus livros “As paixões e os interesses”, trata como o mundo abandonou a era em que lucro e a acumulação pessoal eram mal vistos, mudando para a fase presente em que “ficar rico em uma semana” não só é moralmente aceito, como estimulado e adulado. Agora vivemos sob a égide do valor de que o interesse próprio contabilizado em espécie é benigno e uma forma para canalizar as paixões humanas.
Como escreveu Keynes em um dos momentos mais turbulentos do capitalismo global, a depressão dos anos 1930, “é melhor que o homem possa tiranizar seu saldo bancário do que seus concidadãos”. Ainda que muitos entendam que o saldo bancário seja apenas um meio para tiranizar os demais, seu uso é de certa forma mais suave do que a força bruta, o que faz dos banqueiros os mais facilmente bilionários do mundo, temidos por todos os governos, aos quais normalmente financiam.
A lista da Forbes é um espelho das democracias econômicas e um reflexo das caricaturas políticas. Medidos por suas contas bancárias, os bilionários do mundo atual serão cada vez menos absolutos desde que encontrem países mais abertos e liberais. Porque ser rico, sócio do Estado, não é fortuna, é imaginação fraudulenta.
Força, nobreza e proteção governamental sempre foram fontes de definição de hierarquia nas estruturas montadas para excluir competidores. Mas com o tempo, as sociedades encontraram novas formas de alocar orgulho, ambição, valor e poder que permitem um arranjo mais produtivo e democrático, trazendo para a ciranda social um número maior de pessoas, competindo por engenhosidade e livre concorrência. E a roda da fortuna migrou. Hoje, caso a sociedade estiver organizada de modo a permiti-lo, quem nasce pobre, pode se tornar, em vida, mais rico do que os que nasceram ricos. Mãos à obra. Aposte na democracia e prepare-se para ser um Forbes 2014.
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PAULO DELGADO é sociólogo.