Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 22 de julho de 2018.
“Conte até 10. Esse o máximo de tempo que você terá que esperar até que um avião da Embraer decole de algum lugar do mundo”, diz a propaganda da empresa brasileira na Feira Internacional de Farnborough, Inglaterra. Riscando os céus do incerto verão inglês, as principais aeronaves à venda no mundo buscam seduzir compradores e o público nesse que é um dos dois mais tradicionais salões internacionais de aeronáutica. Com sete dias de programação, o salão termina hoje e por vários motivos a Embraer foi o assunto para todos aqueles que tentam imaginar o salão do ano que vem com as gigantes se juntando. Quem é transportado pela aeronáutica sabe; quem não se esquece da Rio-Sul e Nordeste lembra; quem costuma voar em jato particular ou fretado gosta; quem voa Azul tem certeza: a Embraer é uma realidade confortável nos céus no Brasil. Infelizmente, temos de sair do país para constatar o respeito da marca, como o avião da integração regional e a real dimensão do valor da indústria aeronáutica que temos. Ande pela Europa, pelos EUA e pela Ásia e veja o tamanho do sucesso da visão industrial da Embraer. Quando fui observador internacional na guerra de independência do Timor, chegava a Dili, via Darwin, na Austrália, em um Embraer da Airnorth.
Em 1969, o governo brasileiro criou a Embraer. Hoje, a empresa é a principal fabricante de jatos comerciais para até 146 passageiros e o mais destacado exemplo de exportação de bens de alto valor agregado em nosso país. No caminho entre uma coisa e outra, uma decisão foi fundamental: em dezembro de 1994, com Itamar Franco presidente, a Embraer foi privatizada. De lá para cá, a Embraer é um caso de sucesso da parceria entre capital nacional, Estado brasileiro e capital internacional.
Os franceses foram parceiros valorosos, essenciais, para o salto de qualidade que fez a Embraer chegar ao jato para mais de 100 passageiros. Hoje, ela é uma empresa global com sede no Brasil. Raríssimas são as empresas relevantes que não sejam globais. Assim, o investidor estrangeiro deve ser visto como sócio bem-vindo do nosso desenvolvimento.
Na ciranda entre os acionistas controladores, público e privados, a Embraer não foi mais longe porque não há cultura de planejamento estratégico no Estado brasileiro capaz de formar ativos para a construção da grandeza nacional.
Foi a incapacidade de sucessivos governos de levar a bom termo o Projeto FX que não permitiu ao país desenvolver o caça brasileiro e avançar para o domínio da inteligência na família dos aviões de maior porte. O Brasil, de governos tíbios na questão tecnológica, falhou em não concluir a natural parceria com os franceses que já existia. Tudo nos últimos anos foi tão malfeito que acabamos comprando um jato de papel, um protótipo, avião estranho à dimensão territorial que temos, sem logística adequada a qualquer característica, nem do caça, nem do país.
Mas tudo que é perfeito em sua espécie acaba ultrapassando sua origem. E eis que há poucos meses, a Bombardier, a maior concorrente da Embraer no mundo, se uniu a Air Bus europeia fazendo do casamento Embraer-Boeing um destino manifesto.
A Embraer é uma joia de brilho próprio e é evidente que a união com a Boeing é muito interessante, mas ninguém pode quebrar o pescoço. Não se trata de burocracia de negociação conduzida por palpiteiros que não perdem nada falando besteira. Os EUA e a China sabem os meios de descobrir o que é bom para sua indústria e, mais ainda, praticar negócios que incluem prejuízo por opinião ruim, fato desconhecido por negociadores estatais brasileiros. A engenharia da parceria deve conter uma filosofia de pessoa segura do seu sucesso: tem de levar em conta que é melhor ter uma boa relação e um plano para obter o que você quer do que querer obrigar o outro a escrever o que você deseja. Os dois lados têm força para fazer com que fique claro os benefícios mútuos da parceria. O bem se intui.
A Boeing sabe que custaria a ela muito mais do que US$ 3,8 bilhões para desenvolver jatos regionais com a qualidade dos jatos da Embraer. É um mercado que sempre buscaram, parecendo desdenhá-lo. A brasileira hoje controla 28% desse mercado. Por ser muito bom para a Boeing, tem que ser bem negociado, pois sabe a Embraer que não será boa a parceria se prevalecer a percepção de que um lado parece não atribuir o valor correto ao outro.
O acesso ao conhecimento acumulado, capacidade de investimento e poder de mercado que emana de Seattle é a trinca que permitiria aos prodígios de São José dos Campos serem muito mais produtivos e inovadores. Afinal, se quem faz ciência e avança a tecnologia nos EUA é muito bom, quem consegue fazer isso no Brasil é excepcional.