PARA ONDE VAI O MUNDO
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 09 de junho de 2019.
O mundo é da riqueza, das hierarquias e dos missionários. Dependendo da qualidade da política, em todos os três pode estar o povo, mas nunca ele esteve tão fora de moda como agora. Estão aí as três “castas”, ou grupos sociais poderosos, que, na divisão proposta em um livro do professor da Universidade de Oxford David Priestland, mostram como os fatores históricos se ancoram para explicar o rápido processo de mudança a partir da crise econômica de 2008, quando quebrou o banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos. Dali em diante, nada mais será como antes. Somente no Brasil, entre as grandes economias, as variáveis lentas das mudanças se impuseram sobre as variáveis rápidas e, desde então, o que nos governa é a dúvida.
O mundo foi inundado de dinheiro fraco para que o grande capital não fugisse dos países levando seus impostos para paraísos fiscais. Dinheiro que não se converteu em nada real para a maioria das pessoas. Começou o ciclo do grande endividamento e, com ele, aumentou o nível de alienação e tolice que a pessoa suporta. A riqueza penetrou na política pelo lado errado. A criatividade tecnológica virou as costas para a desigualdade social, e jovens inventores do Vale do Silício, com jeito de missionários, viraram soldados da nova ordem comercial.
Cresceram as redes sociais, veio a primavera árabe, caíram e subiram governos de crise, a forma de consumir mudou de ponta cabeça, hierarquias foram solapadas junto com as formas tradicionais de se fazer organização política, altos executivos foram presos, destruiu-se a economia pessoal de milhões de famílias, Estados independentes se endividaram e se enfraqueceram, o cristianismo perdeu em religiosidade, a China avançou poderosamente em direção ao topo juntando comércio-tecnocracia-ousadia. A Ásia, montada em uma boa estratégia soprada por Pequim, se desviou da má evolução da economia ocidental abandonando a maré alta das ondas que vêm do cataclisma americano.
O cerne do desequilíbrio global é a predominância de um tipo novo de mercadores na arquitetura do poder dos anos 1980 para cá. Especialmente os que apostam no mero relacionamento de compra e venda para lucro imediato, sufocando as estruturas de engenharia de produção e as leis que fizeram a riqueza. Economistas fundamentalistas se apropriaram das ideias liberais e se tornaram os sábios dos oligopólios e da desregulamentação on-line.
A onda do “é proibido proibir” retornou sem hippies e impulsiona o mesmo sistema de incentivos artificiais que gerou a crise de 2008. Como não foi resolvida corretamente, reequilibrando a arquitetura do poder, a riqueza se concentra cada vez mais nas mãos de alguns grandes criadores de mercadorias “sem fábrica”, aliados aos hipercompetitivos personagens dos negócios midiáticos e financeiros, que contam com a simpatia até de pobres donos de biroscas e camelôs pelas ruas. Para apascentar as massas, que não aguentam esperar pelo paraíso da mercadoria e da riqueza sem história ou cultura, os mercadores da economia virtual vão à cata de novos sábios, os políticos da facilidade, versados na linguagem de paraíso e inferno, que faz da guerra interna nas nações o entorpecente que mais as afunda.
Em muitos outros autores acadêmicos é possível ler que o jardim da ideologia pura do século 20, que produziu conflitos entre nações e grupos políticos em todas as nações do mundo, acaba de ser trocado, nas primeiras décadas do século 21, pelo jardim da tecnologia pura e da manipulação política diária dos sentimentos dos cidadãos em todos os países.
Com o discurso atrativo de que o que faz é estimular a autorrealização e a criatividade, a tecnologia de comunicação em redes se junta ao egoísmo do sistema financeiro para alimentar o discurso político dispersivo das guerras culturais. E parte como um leão esfomeado para comer todos os cristãos que vê pela frente, especialmente os que vivem da fé na desregulamentação de tudo e em qualquer ordem que venha por meios eletrônicos.
Assim, o mundo corre veloz com sua economia oca, decompondo todas as coisas e, ao mesmo tempo, ao sugar os usuários do mercado local de novidades, transfere seus ganhos para fora do país, aumentando dívidas, diminuindo lucros. Muitos sentem simpatia pela estagnação, na esperança de um novo ciclo de empréstimos e dívidas, sem desconfiar do desprezo com que o velho liberalismo vê essas economias endividadas. Seguros de que basta ter dinheiro para sair do país se ele der errado. Há uma energia desagregadora fazendo e desfazendo o mundo desde 2008. E sem planejamento estatal sábio, que una riqueza, hierarquias e missionários, acabará o bem-estar social. O custo desse erro tem sido assustador para a sociedade.