Um ano pelo mundo
Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 1º de julho de 2012.
Que atmosfera torna um artigo mais confiável, especialmente aos domingos? E como deslocar meu centro de referência, fortemente marcado pela vida da política, para escrever e interagir com a variedade dos leitores? Pois quando recebi o convite de Josemar Gimenez, diretor de redação do Correio Braziliense e do Estado de Minas, para assinar essa coluna sobre questões internacionais, pensei: não vou conseguir!
As coisas foram acontecendo e toda sexta-feira, à tarde, sinto um imenso prazer em enviar meu texto para Belo Horizonte e Brasília e, mais ainda, vê-lo publicado, com caprichada diagramação e belas ilustrações, há exatos 53 domingos. Aos meus leitores, digo mais um pouco. O estilo, esse nome sofisticado da limitação pessoal, não está concentrado no desejo de ser compreendido – nem incompreendido, evidente – mas em expressar afetuosamente os temas humanos, sem a simplificação das descrições políticas. Decidi transcender o dia a dia e buscar a possibilidade de falar do Mundo que está em todo lugar. Procurei não produzir libelos, querer atrair o gosto pela cumplicidade ou exalar a intolerância da opinião ou do poder, escondidos por trás de artigos encomendados pela fúria política e simplificados pela forma imediatamente compreensível. Escrevo como se fosse uma cobra sem veneno que serpenteia por aí sem precisar ferir.
São escritos rarefeitos, crônicas, para que neles possam penetrar o ar de quem os lê. Às vezes, imprecisos, para resistirem à exatidão dos professores.
A minha questão é transmitir sensações, pular de um lado ao outro, diversificar, referir-me a conflitos de forma não confrontadora. Buscar a dicção da prosa, desviar-me da brutalidade da gramática, surpreender com a informação embrulhada em afeto e opinião, arriscar a linguagem jornalística.
Como o artigo se relaciona com seu leitor, todas as semanas, é sempre um convite à convivência, apesar da distância e das maneiras, bem típicas, de como um jornal é passado adiante, recortado, largado num canto, comentado. Dá um imenso prazer receber a informação, que às vezes recebo, que uma frase chamou a atenção por dizer respeito a um traço da vida do leitor, distante do que busquei escrever no texto. São universos que se cruzam e geram fidelidades, curiosidades, disparidades, afinidades, sanguínea reação.
O que um artigo pode pretender de quem os lê? Ah, como seria bom alcançar a polifonia dos grandes escritores – deixar falar o personagem independente do autor. Há um ar de arquitetura no desejo de escrever em jornais, deslocar interesses, colocar opiniões, erguer conceitos, ficar de pé harmonizado com o leitor, a favor ou contra, arriscar um vão livre, uma escada, labirinto. Por vezes, sombras são projetadas quando imaginamos lançar luz. Toda uma vida em família e sociedade produzem reminiscências que me permitem enfrentar o leitor atento a cada semana com um texto diferente. Isso, graças à bondade da memória que faz emergir autores e ideias, descobertos com o tempo pelas vantagens reveladas pela idade e a mania de ler desde estudante.
Acertar o tom. É possível fazer do leitor a contraparte de um artigo e compartilhar com ele a sensação de ser o autor? Gosto de falar ao leitor como um cidadão profano que passeia nômade pelos assuntos, depois de tantos anos de ser político, esse cidadão profissional cuja função é falar por alguém. Procuro não participar das lamentações rituais sobre os infortúnios do mundo, manter-me otimista mesmo não compreendendo ou aceitando muitos dispositivos de poder que se formaram nas sociedades e nações. Nem quero “fazer passar” uma opinião engajada sobre fatos e situações. Mas, ao selecionar assuntos, compreendo que é impossível não deixar passar certo sentido de relevância e escolha. E muitas vezes sei que deixo no ar a noção de inacabado, o que ajuda a livrar o domingo dos leitores do desconforto de estar diante de um mandatário de causas “patrióticas”.
Espero ser compreendido nessa mania, ou liberdade, de dar opinião sobre países, líderes, autores como se fossem invenção minha. Mas, para não correr muitos riscos – alertado pela máxima de Montaigne de que boa intenção não produz virtude – trato de dar uns telefonemas, ler tudo que cai na minha mão sobre relações internacionais e de atualizar constantemente minha biblioteca.
Muito obrigado aos leitores pela companhia nesse ano de viagem pelo mundo.
*****
PAULO DELGADO é sociólogo. Foi deputado federal.