Uma angústia francesa
Estado de Minas e Correio Braziliense – domingo, 14 de junho de 2015.
A crise econômica diminuiu as chances de reeleição nos países europeus. No continente mais abalado pela realidade instaurada a partir de 2008, o exercício do poder deixou de ser uma vantagem nas corridas eleitorais. Nicolas Sarkozy, presidente da França entre 2007 e 2012, foi um dos vários mandatários europeus não reconduzidos ao cargo nas primeiras eleições após 2008. Como a crise arrefeceu, mas não passou, o fardo de ser governo promete continuar naufragando tentativas de reeleição. E nessa toada, a França, porção central da geografia, da cultura e das idiossincrasias europeias concentra as tendências do continente.
Após ser derrotado pelo insosso François Hollande, Sarkozy alardeou um afastamento da política partidária. Logo lhe foi oferecido como consolo um retorno à presidência de seu partido que ele de pronto descartou. Entretanto, nas sombras iluminadas por seu espalhafatoso estilo de vida, não cessou de operar para atiçar a cizânia entre as lideranças que poderiam sucedê-lo em seu campo político. Buscou fazer isso até seu partido chegar a tal estado de caos que ele fosse novamente instado a aceitar o posto de líder máximo. Em tal ocasião não mais como prêmio de consolação, mas como missão digna de um salvador insubstituível. Sua estratégia vingou em parte. O caos veio sobre seu partido, mas a certeza a respeito da natureza insubstituível de seu líder não se tornou majoritária a tempo de parecer tranquilo seu lançamento nas próximas eleições.
Assim, face a um cenário em que o presidente em exercício tem míseros 13% de aprovação popular, Sarkozy abriu mão de sua idealização de voltar nos braços do povo e jogou pesado para reassumir a presidência do UMP. O partido criado por Jacques Chirac há apenas doze anos para aglutinar a centro-direita francesa. Depois de arrematar com 64,5% dos votos uma eleição interna que não foi apenas de praxe, Sarkozy partiu para sua primeira demonstração de força. Para que não restasse dúvida de seu ímpeto e sua visão mudou o próprio nome do partido. De UMP passou para Os Republicanos. Mais um partido para sofrer a sina das agremiações que nascem para servir a uma pessoa.
A sanha de Sarkozy é lógica. Se Hollande, que até a iminência de início da campanha de 2012 passava longe de ser identificado como o líder de oposição gabaritado a assumir a presidência do país, conseguiu arrancá-la de um governo tragado por uma crise econômica, qualquer líder escorado pelo principal partido de oposição tem grandes chances. Sarkozy, que chantageou seu eleitor na sua tentativa de reeleição dizendo que iria abandonar a vida pública se derrotado, não resistiu. Em parte pela doença de falar demais que ataca alguns líderes pelo mundo, em parte pela preferência que se anuncia para a oposição no próximo pleito, em parte como estratégia para politizar as acusações de corrupção que vem se asseverando contra ele.
Enquanto Sarkozy lidava com os medos de uma França face ao ocaso na primeira reunião de trabalho dos Republicanos – convocada simbolicamente para tratar da questão muçulmana no país -, Hollande estava nos Alpes da Alemanha. Mais um convescote do G-7 que, felizmente, ficou marcado pela ênfase em prol das decisões em favor de políticas de defesa do meio ambiente, elevada e sempre atrasada agenda da humanidade. A combalida liderança francesa será testada em breve nessa seara. Le Bourget, na periferia de Paris, receberá a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas deste ano.
Essas conferências anuais das Nações Unidas tiveram início a partir de tratado firmado na Eco-92 no Rio de Janeiro. Cinco anos depois a Conferência de Quioto foi organizada para dotar o mundo de um novo paradigma de compromisso com a saúde do planeta. Neste ano chegamos à 21ª edição dessas conferências. Em todos esses anos, algumas foram relevantes como a de Quioto, muitas não. E mesmo a de Quioto, por mais bem intencionada que tenha sido, o protocolo que dali saiu não vingou. Dali para frente as conferências do clima têm sido sucessivas decepções investidas de crescente irrelevância.
Mas, no que pese o pouco folego de seu principal documento, Quioto foi mais. Ocorreu no momento em que se amadurecia a compreensão das profundas mudanças políticas que sepultaram o século XX com o fim da URSS. Curiosamente foi na mesma Quioto que Mikhail Gorbachev lançou sua organização Cruz Verde Internacional.
O problema de ser governo impopular é ter que continuar a se interessar por coisas que não interessam muito ao eleitor. O hoje franco-atirador Sarkozy aposta que para o francês atual os problemas com os estrangeiros são mais importantes do que a poluição.
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PAULO DELGADO é sociólogo