2019: ideias e sensações

Estado de Minas e Correio Braziliense – domingo, 6 de janeiro de 2019.

Boas ideias, muitas vezes, vêm à tona num contexto que as impede de prosperar. Em outros casos temos contextos tão direcionados para um certo lado, que a realidade sai a cata de ideias que possam vesti-lo com alguma coerência. É o que popularmente chamamos forçação de barra. Com ele, o risco de ideias superficiais, não naturais, sem raízes, crescerem como erva-daninha é grande. E sufocam o aparecimento da estratégia que faça jus às oportunidades ofertadas pelo contexto. É o mal do ambiente conflitivo, fértil demais em indignação. Nele, ninguém mais sabe se relacionar, reclamam sem conhecer, apoiam sem racionar.
Por definição, o futuro é incerto. Ainda que se possa calcular o risco de muitas variáveis, a maioria das questões mais interessantes são simplesmente incertas. Há quem tente adivinhá-lo por astrologia. No terreno das incertezas, a intuição quer ser objetiva. Mais importante ainda é que muito do que se escreve para interpretar a realidade acaba se tornando, muito mais do que um mapa, em um guia para desenhar a realidade. Por isso que é importante ter cuidado com quem se leva muito a sério, porque ideias costumam ser como o poder, elas se exercem, sem que ninguém seja propriamente seu titular. Têm um poder imenso de separar pessoas e gosta como ninguém de determinar o que é bom, ou o que é ruim. De todo modo, a força da ideia depende do contexto para se definir qual seu curso de ação. Qual será o contexto de 2019? Nem quem possui poder sabe ao certo o que virá. Quem possua ideias, fortes como quem possuí poder, cuidado para não contribuir para um desentendimento maior no Ano Novo.
Albert Hirschman, um dos maiores pensadores do desenvolvimento no século XX e que durante sua vida dedicou especial atenção ao Brasil, apontava para dois problemas a serem evitados, próprios de pensamentos rígidos demais: o primeiro é a confiança cega na capacidade de se resolver qualquer problema, o segundo é justamente seu reverso, a certeza, inabalável, de que certos problemas não se resolvem. A vida é muito mais plástica do que nossas certezas. O futuro não é apenas incerto, mas influenciado por incontável rede de complexidade e, às vezes, caos. Fundamental reduzi-lo para dentro de limites racionais que permitam tomar decisões, e estar sempre atento ao contexto para compreende-lo e, se necessário, razoavelmente se opor ou adaptar.
Hirschman não foi o intelectual mais ouvido do século XX, mas talvez seu tempo tenha chegado no século XXI. Uma das suas mais importantes contribuições foi a defesa da experimentação de diferentes políticas para ver quais melhor se adaptam ao ambiente e melhor o alteram. Sensibilidade para se aproveitar o que determinada conjuntura traz. O desenvolvimento vem muito mais das oportunidades que aparecem e são melhor apropriadas do que como resultado de estratégias extremamente coerentes e balanceadas. Curiosamente, seu pensamento muito se explica a partir de um antigo ditado oriental que fala sobre o dever de sempre procurar a verdade nos fatos e ficar atento à direção dos ventos.
Em 2018 uma das mais interessantes experiências nesse sentido ocorreu na Etiópia. Abiy Ahmed assumiu o poder no país no último abril e de lá para cá tem conseguido resolver uma série de problemas pontuais que atormentavam a Etiópia. Em nove meses no comando do segundo país mais populoso da África, Ahmed deu fim a guerra que travava com a Eritreia. Ex-oficial do Exército, 42 anos, libertou milhares de presos políticos e entregou para uma líder da oposição, até então exilada, a presidência da comissão que faz as preparações para a próxima eleição no país em 2020. Membro do maior grupo étnico do país, os Oromo, Ahmed, que é filho de um muçulmano com uma cristã, tem como maior desafio pacificar as cizânias opondo as diferentes etnias que dividem o solo etíope e o impedem de atingir todo seu potencial de crescimento e bem-estar. Num mundo em que diferenças identitárias superficiais têm surgido com ênfase para criar grandes diferenças sem razão, o esforço de Ahmed para superar birras assentadas em séculos de rivalidade tribal pode dar a ele as mais altas honrarias internacionais, talvez, já em 2019.

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Desalento. Aproveite as boas amizades, as proteja. Está ficando impossível se aproximar de alguma coisa sem perdê-la. No dia de Natal morreu meu maior amigo dos tempos da política, Luiz Carlos Sigmaringa Seixas. Sig, magnânimo e sem alarde, teve com a vida uma relação imaculada. Todos os embates que enfrentou na sua peregrinação por ela tiveram a ver com a fúria dos ventos que atinge a humanidade e recruta os bons para a justificar.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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