A falta de idealismo sufoca o país

Capital Político – 18 de fevereiro de 2021

O que você pode imaginar já existe na realidade. O Brasil vive de aposta, dominado pelo caráter dos que fazem o jogo total. A autoridade se sente dona do Estado, em uma inversão da vida normal.

É o povo, que mesmo sem renegar a importância do poder, mora sozinho num cômodo separado. O hóspede mais honrado é o esquecido. O corporativismo do inquilino despejou o dono da casa.

A identidade do insulto está se purificando. O excesso é o itinerário para o abatedouro de sonhos que é o modelo político e econômico brasileiro. Derrotar o modelo é decidir viver sem adoecer, o melhor ponto de fuga para os bons não ficarem moralmente abatidos.

É impossível passar a limpo o que está nos acontecendo como povo. Falamos e aceitamos ouvir uma língua grossa, medíocre, como se não fôssemos indivíduos com valores para viver em sociedade. A grosseria oficial apagou por completo o élan do brasileiro civilizado em todas as classes.

Os donos do Estado não conseguem justificar sua existência e vestem farrapos de lordes. Mesmo quando conseguem defender algo relevante do ataque de roedores rudes dão a impressão que demoram tanto a acordar para o desatino despótico em curso por que precisam antes proteger a indignidade estética de maus colegas.

As instituições estão sob ataque interno também, uma conspiração dos maus contra os bons. No contexto atual há uma exigência impossível de evitar: é preciso expulsar do Estado a autoridade que desconhece a língua e a etiqueta pública.

A política se desequilibra em desfavor do idealismo quando os líderes não possuem um sistema claro de pensamento e algum mecanismo psicológico de arrependimento. Só não há traição em sistemas políticos que praticam a fidelidade total à morte da coerência.

Quem apoia falsidade e desumanidade não é nem fiel a si mesmo e nem se preocupa com o que deve ser para além de servir a uma conjuntura especifica e passageira.

Há épocas em que todo o mal se parece com uma só pessoa. Só que essa pessoa atualmente é coletiva e permite um sistema linear de observação na saúde, economia, relações internacionais, educação, segurança pública, justiça, etc. Não é uma ficção individual.

O mal sempre se oferece nas eleições, cada vez com uma vestimenta própria e erros gramaticais correspondentes.  E justifica sua existência dizendo para os miúdos que vai se erguer sobre os graúdos. A fúria demagógica tem um endereço certo: é contra a lei de ferro da oligarquia dos estáveis da velhíssima república de burocratas estatais poderosos.

Ou muda isso ou os erros do setor público continuarão a ser os melhores aliados de hipócritas algozes. Que gente! Nossa improbidade é mais profunda e se erigiu dentro do Estado, o subúrbio de entediados sem idealismo.

Não é possível dizer para onde aponta a mira da política brasileira atual, quais são os meios que pretende utilizar para atingir seus fins, o que acha conveniente apoiar, o que rejeita. O estado mental da política é o da mais medíocre ambiguidade já vista na nossa história.

Uma geração pedestre, de raciocínio simplório e ingênuo, utilitarista, sem nada saber ou temer do mundo antigo que nos formou e do futuro que está se formando sem nenhuma participação deles.  

Qualquer pessoa influente ou culta só consegue desenvolver completamente seu papel se for minimamente informada e tiver princípios éticos. E se decidir ser funcionário público, uma pequena vocação sacerdotal não fanática é benvinda. 

Pode até ser preguiçosa aqui e ali, mas não pode nunca ser distraída ao ponto de resistir moralmente a ser integro. Já é hora de a política parar de achar que há inteligência na maldade, na burrice, no porte de armas e no jogo de azar sem vacina que está matando em massa os brasileiros.

Já passou da hora de o Ministério Público, o Judiciário e as Forças Armadas pararem com o jogo de faz de conta que é achar possível continuarem a praticar essa bondade imperfeita de protegerem seus membros que renunciaram aos valores de servir ao povo como funcionários exemplares do Estado. Inaceitável complacência e servilismo de ficarem protegendo seus medíocres, certos de que o homem comum é tonto e não tem consciência de nada.

A ação das quatro instituições públicas – políticos, procuradores, juízes e militares – tem sido muito desagradável. E se torna uma tragédia geracional quando se soma a uma quinta, coluna de acadêmicos parados nos anos de formação juvenil que não se elevam, só se agacham diante de fórmulas liberais extintas pelo tempo. Penso nas complicadas criaturas sem humildade e sabedoria que vão levar ao derretimento a economia do país.  

Talvez os cinco cavalheiros do nosso apocalipse, e seu mandarinato de altos funcionários com a visão teatral que possuem dos problemas brasileiros, não estejam se dando conta da estupidez que é o poder sem inteligência e bondade. Ou, por estarem contaminados pelo princípio da imitação por cálculo, continuem em dúvida se o êxito se alcança melhor se misturando ou se distinguindo de mais este governo transitório.

O funcionário estável parou de evoluir, como se a civilização acabasse e ele continuasse se comportando sem vontade e representação.

O Brasil está sufocado pela má argúcia do poder, a barbárie do simplório. E quem tem o poder de mandar sem ver a complexidade das coisas costuma considerar normal a desinformação e a crueldade da burrice. Entre os simples com poder, a confusão e a desinformação têm muito sucesso.

Nós estamos vivendo uma desordem. Um desconforto que cresce como um destino pouco promissor. Mesmo sabendo que o povo sempre sobrevive ao Estado e seus manda chuvas ocasionais é preocupante ver a elite do país tão conformada diante de uma situação tão dramática.

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Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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