Estado de Minas e Correio Braziliense – domingo, 15 de março de 2020.
Não afronte a realidade. A vida é um processo de demolição em que é melhor ficar atento à onda que vai te tragar do que se deixar castigar por ela.
Em 1911, a Suprema Corte Americana decidiu que a Standard Oil teria que ser dividida em 34 diferentes companhias por causa do seu gigantismo. Decisões como essa sumiram do mapa. O que existe hoje são empresas cada vez maiores mandando em governos e crises que funcionam para o duplo efeito de pulverizar e concentrar. Pulverizam as que não fazem mais sentido produtivo até o limite da insignificância e concentram as que fazem até o limite do monopólio.
Como não há mudança da matriz energética, e a economia da velocidade deslumbrou o indivíduo, manipular o preço do petróleo e enfrentar doenças por contágio provoca crise e pânico mundial de uma hora para a outra. O petróleo produz a queda da viabilidade de produção de muitas empresas da indústria de gás e petróleo de xisto nos EUA que serão forçadas a se vender para grupos maiores. O coronavírus, viajando de avião, exige um método de contenção que vai dar mais força ainda à economia da velocidade criada pelo mundo digital.
Ou seja, estando ou não doente o ser humano será entrincheirado.
Há claros sinais de que essa crise está sendo usada para uma experimentação mais radical de reorganização socioeconômica. Como é ano eleitoral nos EUA, o governo vai colocar na rua toda sorte de medidas para evitar uma recessão. Vai assumir dívidas privadas e comprar ou ajudar na compra de empresas. Isso vai normalizar um caminho de maior presença estatal na economia em parceria com grandes empresas. O próprio FMI anda aproveitando a onda para mandar gastar. O discurso está mudando para: o Estado pode até ser pequeno, mas não pode ser omisso. Mais foco, menos despesa, menor dispersão serve para todos.
Essa tendência de concentração econômica e de poder político é explicada e causada pela aposta exagerada nas tecnologias de informação e comunicação (TIC), uma ameaça à felicidade humana. Na maioria dos países do mundo, o acesso à tecnologia veio antes da educação formal para viver, provocando uma abrupta adaptação a elas e produzindo uma transição muito mais que disruptiva, que pode ser agravada agora pela decisão crescente de colocar todo mundo em casa trabalhando pela internet.
Assim como a China sacrificou sua produção para conter o coronavírus, parece estar aproveitando para acelerar uma transição mais completa para o chamado “capitalismo de vigilância”. Os EUA também se preparam para experimentar a acentuação dessa vida à distância, orientando as pessoas para fazerem tudo de casa. Até aqui, em Brasília, a moda chegou. Ou seja, melhor enclausurar, do que informar e educar para viver em qualquer tempo.
Isso transferirá ainda mais poder e dinheiro para organizações que controlam as TICs que intermediarão relações de trabalho, estudo, compras, entretenimento, relacionamento, segurança e defesa, etc. O que parece uma gripe pode se transformar no velório da solidariedade, liberdade e da inteligência humana. Cada um por si, comprando mais do que precisa, egoisticamente se salvando.
É por conta do andar dessa carruagem da reorganização socioeconômica que na reunião entre os responsáveis pelas economias do G20 na Arábia Saudita no fim de fevereiro — para a qual a China não mandou ministros, nem o Brasil — mais que petróleo, cadeias globais de suprimento e coronavírus, a tensão principal ocorreu pelas questões sobre taxação das organizações que controlam as TICs extraterritorialmente, nesse aprofundamento da digitalização da economia. O xis da questão é que a commodity mais valiosa do planeta hoje são dados.
Mas a transformação de dados em commodities, que será impulsionada por razões sanitárias, representa a maior “commodificação” de coisas que não são naturalmente commodities. É resultado da superioridade e velocidade dessa força estranha sobre todos nós que invade casas, bisbilhota vidas e prospera sem jurisdição frente à ausência de lei.
Agravado pelo abandono das atribuições do Estado, da própria iniciativa privada e da permissão para a manutenção de um mercado e de uma vida competitiva e nada saudável.
Não é a primeira vez que o mundo mergulha em crise existencial. Não se trata apenas de questão financeira ou epidemiológica. O que vem ocorrendo é um acúmulo de situações mal resolvidas que vinculam a desocupação em diversas atividades com a transferência de poder entre diferentes grupos e países no mundo. O que ocorre agora é um rearranjo afoito do mundo por causa da submissão de todos à digitalização da economia e da vida humana.
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