Cinco nomes e um destino

O Estado de S. Paulo – 08 de junho de 2022

Deixando-se manejar por uma eleição flashback, o Brasil concede ao passado poder sobre o futuro. Levado pelo êxtase ou a aventura, a reflexão não tem tido prioridade entre nós. Só as pesquisas contam, como ideologia. 

As pesquisas nunca gostaram de Ciro. E já desconfiam de Simone. Fingem não ver Luiz Felipe. Gostavam de Marina, até que Dilma espalhou que os verdes eram banqueiros – registraram a indignidade na margem de erro. Largaram Aécio jogando as fichas no capitalismo de cassino que produziu 2018. 

Lá atrás, queriam Collor e, por odiar Brizola, ajudaram Lula a contragosto. Calado duas vezes por FHC, ele se reciclou, arrumou um guru, amigo das pesquisas, para ensaboar a fera e fazer a pedra virar flor. As pesquisas fingiram não ver Bolsonaro e escondiam que evitavam Haddad. No fundo, não queriam Ciro e botaram a culpa em Juiz de Fora. Alckmin, que é médico e afável, não visitou o esfaqueado no hospital, ajudando-o a consolidar a imagem de desprezado. 

Nenhuma diferença metodológica ou técnica explica a variação dos números das pesquisas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ajuda na confusão por só exigir o carimbo burocrático de “registrada”, dando credibilidade ao submundo da amostra. Pesquisa é ideologia, eleitor é que é utopia. 

Com o Supremo e o tribunal eleitoral atuando de maneira tão elíptica, espalhando ânsias malogradas por aí, a Justiça dá consistência à polarização com dois preferidos e os demais fantoches. Sem clareza jurídica estrutural e estável, criando jurisprudência de casta, ministros concedem privilégios aristocráticos a políticos processados, produzindo este estado de coisas. Ameaçam o País com o rigor da lei – saudades de Brossard (não quero o rigor da lei, basta a lei) – e empurram o eleitor, coelho apressado de Alice, para a festa do corta-cabeça. 

A vaidade unilateral de querer prevalecer sozinho cingiu o País. E o mesmo naipe arbitrário do poder monocrático se espalhou como doença. O Supremo, como instituição, precisa se proteger contra si mesmo, se não quer ver suas decisões tênues como clarão de fósforo riscado. A crise dos democratas é maior do que a da democracia. 

Pesquisa como ideologia enfia o eleitor no funil de sua falta de parâmetros. Embrulha os resultados em tantos labirintos que lembram leis e linguiça, melhor não ver o processo de fabricação. 

A superficialidade da eleição tira o Brasil da roda do tempo com seu baixo padrão de disputa do voto. Olhando o mar de pesquisas, é possível observar que se dirige mais aos candidatos fora da curva, que insistem no debate, contrários ao “rejeitor” – o eleitor da rejeição, não o da escolha. 

O desejo de distinção pode conter mais insinceridade do que divergência. Entre Lula e Bolsonaro, notórias biografias distintas, são grandes as afinidades sobre mando, base parlamentar, gastos, guerra, papel do Estado, idolatria. Têm apoiadores sinceros que aceitam que seus governos estejam dentro de si mesmos, como efígie que fará o que quiser. Porém, insistindo em bulir com o brasileiro, podem se surpreender com a exaustão do antagonismo deste longo estímulo negativo que instiga o povo. 

A semelhança de estratégia é que produz competição tão encarniçada. Borboleta e caranguejo, harmonia na bizarrice. Poderão vencer um ao outro, mas não conseguirão extrair força do voto para fazer acontecer. Terminada a apuração, a mágica evapora em governos requentados. 

Ciro, Simone ou Luiz Felipe podem fazer o Brasil iniciar um novo ciclo. Com eles, a energia autêntica da novidade política retira das urnas a força constitucional de mudança e reforma. 

Ciro é enfático e seguro, coerente conhecedor dos desafios, traído em sua boa-fé, não perde a fé, segue como um Robinson Crusoé. Quem luta contra a corrente parece um injustificado por não oferecer perspectivas mais cobiçáveis que tranquilizam apressados e interesseiros. Sua influência benéfica é justamente esta, não deixar o País cair na inércia do lugar-comum que o tem feito chegar sempre atrasado ao mundo civilizado. 

Simone é altiva e doce e, com sua coragem, prova que o Brasil não é indigno de viver uma outra experiência estética no exercício do poder. Não é autoritária em seus valores, jovialidade autêntica, uma outra alegria mais pluralista, com a fé e não a cor de igrejas em conflito. É, também, capaz de enfrentar a overdose de moralismo ideológico, a invisibilidade das ideias no poder e o viés antiocidental em curso na campanha. 

Luiz Felipe quer ser um presidente ousado e barato, pois sabe que uma boa auditoria resolveria bem muitos problemas do Estado brasileiro, abismo do dinheiro do contribuinte. Não se faz passar por pessoa que não é. Parece disposto a desafiar o blefe da mesmice e ampliar o horizonte do País. 

Tomando caminhos já conhecidos, o Brasil mais se bifurca. E se a marca da eleição é a rejeição que outro caminho tomar? Lembro poesias consagradas. Diante da encruzilhada, não seja duas pessoas, uma influenciando a outra. Busque o caminho menos pisado, isso fará toda a diferença no futuro. Pense na existência, sem ironia ou cansaço, vá por onde te levem teus próprios passos.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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