COLETE, POLUIÇÃO E SABEDORIA

Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 9 de dezembro de 2018.
Na estreita Rua Varenne, no coração envelhecido de Paris, a mansão Matignon, cujo inquilino é o primeiro-ministro, abriu seus portões para receber alguns representantes do movimento dos coletes amarelos. Eles não foram. No sábado, ontem, como é de praxe em dias de protesto, a rua foi interditada. A França, que tem o modelo mais organizado para enfrentar protestos, foi apresentada à era dos protestos sem rosto. São legiões horizontais, sem nome, e quando alguns líderes despontam são cortados por qualquer um que tenha um celular à mão. É o outro lado da modernidade intuída por Macron, que é a de fazer política sem partidos e outras instituições de representação tradicionais. Vai bem, até a hora que desanda. Paris em pânico, sem saber do que está se defendendo, teve de fechar até áreas turísticas e museus.
E, assim, será cada vez mais neste mundo de poder popular ficcional, mas livre, e Estado centralizado, demorado e indiferente.  O planeta é um sistema fechado com recursos finitos, menos os governos de seus países que gastam até quebrar a natureza e irritar o cidadão. Que decide sair aos montes, anônimos em Paris, ou solitariamente, com o celular na mão, dentro de um avião no Brasil, filmar a crítica que faz à autoridade.
Vivemos sob o manto da insustentabilidade. Tudo pode ficar escasso, mas a falta de sensibilidade da elite do Estado para com a irritação do povo, começa a ameaçar a estabilidade do mundo.  A começar pela irracionalidade que é manter o petróleo como principal combustível do progresso.  É melhor não brincar com a poluição, ela contamina a vida de todos.
Andrzej Duda, que preside o atual governo conservador da Polônia, recebeu a conferência sobre mudança climática da ONU deste 2018 e lembrou que trabalhar para evitar a mudança climática é fundamental, mas não pode ser feito de uma forma que atrapalhe o crescimento de países em desenvolvimento. Simplesmente porque é injusto. Num mundo onde o governo dos Estados Unidos, país mais rico e poderoso do mundo, diz que não é problema dele, todos devem cooperar para salvar o planeta, mas com inteligência e criatividade para salvar também os seus. Não conversar com quem protesta, mandar prender quem critica, se não é asneira é tolice. Maior exemplo da Terra — de erros, acertos, meios, caminhos e resistências — se chama China.
As dívidas chinesas, pública e privada somadas, alcançam a cifra de US$ 34 trilhões. Isso são 17 PIBs brasileiros de 2017. A China entendeu como ninguém as regras do jogo e acumulou ao longo dos anos reservas cambiais que hoje somam mais de US$ 3 trilhões. Junto a isso mantém sua conta de capitais fechada para o exterior, conseguindo, pela soma das duas coisas, financiar dessa forma estratosférica seu desenvolvimento. Uma maneira que nenhum outro país do mundo, à exceção dos EUA, consegue.
O realismo de Trump é baseado na constatação de que os EUA foram engambelados no jogo que eles mesmos criaram e não detém instrumentos tradicionais de coação da China. Ao se tornar o maior PIB do mundo, a China, isolada em sua cultura de comerciantes, pode, sim, tirar os EUA da posição imperial.
E Trump pode, sim, estar “esquentando” a Terra para ganhar tempo e esfriar a China. A morte de George H. W. Bush, que foi, antes de ser presidente, embaixador em Pequim – um que jogava tênis com as lideranças chinesas e circulava de bicicleta pela cidade – é o símbolo maior da passagem de uma abordagem de confiança e relações pessoais que ajuda a explicar o crescimento chinês dos últimos 40 anos.
A China cresceu porque os EUA deixaram, para ganharem dinheiro, muito dinheiro, com isso. Porque, de Nixon para frente, passou a ter muitos bons amigos em Washington. Os maiores sendo Bush pai e Henry Kissinger, hoje com 95 anos de idade. O crescimento chinês deve mais a jantares do que ao chão de fábrica. O primeiro fator tem precedência, relações públicas, busca de senso comum. O desespero atual é como negociar com alguém que não sonha. Planejamento com sonho, mais produtividade e endividamento, é a outra face do investimento. Futuro é sonho, diálogo, pois a vida só no presente é brutal, estanque e curta.
Os coletes amarelos na França são sinais de uma revolução que não começou ali, mas na Primavera Árabe de 2010 e passou pelo Brasil, em 2013, e na greve dos caminhoneiros. Existe por conta dessa tecnologia de comunicação e informação, que reúne as empresas mais valiosas do mundo. Cabeça, inteligência e ideias. Destroem e constroem o mundo. Não há limites para esse crescimento. Todavia, só vale a pena se for com boa vontade, bondade e razão, virtudes sem as quais o crescimento pode se tornar uma péssima forma de governar sem sabedoria.
Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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