DEU O QUE TINHA QUE DAR

O Globo – 1º de Janeiro de 2018.

Deveria haver tanto perigo para quem tira a ilusão de um sonhador como existe para quem rouba o filhote de um tigre.  Mas não há. Só a justiça freia o demagogo.

Pregado ao poder ele não pode parar. Imponderado, espalha algazarra como fio desencapado. Quando as coisas não vão bem o passado sobe as costas das pessoas e, pesado saco de pedra, as impede de ver o futuro. O vácuo vira agente do destino. Por isso há sempre um senso anedótico nas confusões da vida desse adulto inadequado. Na maternidade chora mais que o bebê; no velório dança sobre o morto; interpelado reage como pedaço da bandeira nacional.

Em toda cidade existe um político imbatível que nem preso perde eleição. Arbitrário, egoísta, ilusionista, é vasto seu campo de ação. Assume ares de proprietário do eleitor, exige esforço excessivo de atenção.  De recurso ilimitado não vê distâncias, intimida autoridade, engana roqueiro politizado, atrai gosto e desgosto. Mesmo separando as inconveniências, agora reveladas pela frequência com que entrava em diferentes antiquários, é fácil identificar a mobília que decora sua cabeça.

O líder de si é um encantador, um investigador do outro. Não leva em conta dificuldade. Faz aparecer e desaparecer a coisa desejada, mas, tal qual o mágico, o coelho da sua cartola é real. Mantém guarda na porta da imaginação de ricos e pobres. É um papa-jantares. Usa, de cada um, suas vantagens. Associações, deslumbramentos, ilusões, todo seu ato é documento, forma primária e secundária de conhecimento do ordenador de desejos. É dono de tudo que usa: por intuição e favor, reconhece, por abstração e receio, nega. Ser honesto involuntário é a patologia do seu amor-próprio.

Sempre empenhado em não ir pelos ares, ele gasta todo o tempo do mundo para aparecer. Em sua companhia é preciso ser capaz de ouvir, sem julgar.

São coisas da vida política. Sempre é possível confiar em quem nunca é muito claro, como é fácil amar por um equívoco. E tem sido um equívoco considerar alguém popular por sua origem. A popularidade nasce dos modos modestos da pessoa. Assim, fulano pobre pode ser mais pedante do que beltrano rico.

Adepto do prazer sem penalidade cobre sua nudez com discursos renitentes. Acuado, usa o superlativo, eleva o tom, como se fosse inútil esperar a alma sossegar e assim compensar o alvoroço do corpo. Tipo que estraga os outros com facilidade não calculou bem a dose do elixir que utilizou.

A bondade, se leva alguém muito longe é um sentimento que conduz a vantagens. Um jeito, não é bondade. E essa fusão bondade-vantagem, que solidificou durante anos sua liderança, formou um bloco semelhante, um fato histórico. Todo aquele período de complacência atraiu complacentes e um todo flexível se erigiu justificado por conta das necessidades do edifício da política.

Arestas de desejos visíveis, detalhes de um prédio nada público, usufruto de pessoas especiais que se reservaram velozes elevadores para baixar seus interesses e íngremes escadas para subir o do país. Quando ele se entregou aos ascensores, em seus surtos de sultão presenteado-bajulado-revelado-negado ficou evidente que permanecia firme o lado quadrado da arquitetura da nação. E deu o que tinha que dar.

 

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PAULO DELGADO é Sociólogo.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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