Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 28 de abril de 2019.

Volodymyr Zelensky, de 41 anos, tomará posse como presidente da Ucrânia no fim de maio. O comediante fez sua campanha nas onipresentes redes sociais com um discurso já sintetizado no último verso do soneto 121 de Shakespeare: “O homem é mau e reina na maldade”. Ganhou de lavada. A Ucrânia, de 45 milhões de habitantes, está no centro das disputas que ocorrem no mundo desde a crise econômica iniciada em 2008. Foi na Ucrânia que a Rússia usou o Exército para mandar um recado para a Otan: tirem as botas do Leste Europeu. Em 2014, Moscou anexou a Crimeia, península ucraniana no Mar Negro. Recentemente, Putin foi à península homenagear a “reunificação da Crimeia com a Rússia”.


A ascensão de Zelensky é mais um dos sintomas de uma baita crise sem solução. E um presságio de que dias piores virão. Tudo começou quando Ben Shalom Bernanke, presidente do Banco Central Americano, o FED, de 2006 a 2014, quis parecer a pessoa certa, na hora certa, no lugar certo. Estudioso das recessões econômicas, Bernanke afirmou que não estava disposto a permitir uma segunda grande depressão nos EUA. No meio de um mundo desorientado, Bernanke tirou da cartola uma ideia chamada Afrouxamento Quantitativo.


A ideia foi comprada pelos sete países mais ricos. E empurrada garganta abaixo do G20 como uma generosa decisão de fraternidade internacional. O Brasil não reagiu estrategicamente e saiu comprando carro sem ter garagem. Os bancos centrais da Europa, Inglaterra, Japão e dos EUA, passaram de cerca de US$ 3 trilhões de crédito a receber do mercado, em 2007, para mais de US$ 14 trilhões, em 2018. Essas operações de empréstimo a juro zero ou mesmo negativo eram o mantra. Quem recebeu o esplendoroso “afrouxamento” foi o sistema financeiro e suas conexões. Bernanke não era mal-intencionado e acreditava piamente que inundar os ricos de dinheiro faria o cifrão descer e evitar, assim, a estagnação econômica e o empobrecimento da população.

Como a economia não secou em 2008, funcionou artificialmente encharcada alguns anos até virar o estopim da crise global como a que vivemos hoje. O vaso da economia mundial se estilhaçou e não voltará a ser como antes. A crise não passa porque o mundo está querendo enfrentar ideias antigas com mágica, ancorando gratuidade na concentração de renda.


Por quê? Porque o mundo que funciona não é o mundo de graça. A globalização, a imigração e a produção são coisas reais e trazem inteligência, inovação e desenvolvimento. Por isso mesmo, os US$ 14 trilhões emprestados ao mercado foram tragados pelo laguinho egoísta do sistema financeiro e dos parasitas nacionais diversos. Agentes e grupos transnacionais vão intensificar suas brigas dentro de todos os países para impedir a cooperação internacional. Mesmo que não botem a cara de fora, protegidos pela invulnerabilidade das redes sociais, usadas como inocentes úteis e baratos. Enquanto isso, os dois lados vão aperfeiçoando os sistemas de mísseis, para botar ordem na bagunça criada pela economia sem lei. Anomias que engolem anomias e produzem novas anomias. Estamos vivendo as várias etapas de uma Revolução Francesa, em que quem ajuda a destruir o primeiro círculo é destruído pela segunda onda, que será, então, pela terceira, quarta, até chegar outro… Napoleão. Tudo isso sem reflexão substantiva. Tudo em nome da facilidade, simplesmente porque depois da internet ninguém olha para os pés.


Aqui, voltamos à Rússia e à Ucrânia que, agora, será governada por um contador de anedotas. O governo russo, desde 2008, é o mais estável do mundo. Com Putin, o maior apoiador dos movimentos digitais anti-establishment na Europa. Aliás, líderes desestabilizadores e estáveis somente ele e Netanyahu em Israel, outro homem das nuvens. A alemã Merkel está fora desse benefício de estabilidade porque faz das tripas coração para manter a Alemanha no topo da Europa, ao preço da destruição da União Europeia. Algo que, paradoxalmente, a aproxima de Putin e Trump, outro parceiro desse jogo eletrônico de comando-controle, na guerra para limar a confiança do mundo em suas regras comuns e instituições coletivas.


O afrouxamento quantitativo leva Moscou a semear a discórdia onde pode para abalar as estruturas do disponível homem das redes. O apoio vai para qualquer grupo comprometido com avacalhar e dilapidar o mundo que está aí. Inclusive com a eleição de Zelensky, que recebeu apoio de Israel, inimigo da Síria, aliada da Rússia…


Zelensky é outra nuvem. Com a simpatia da Otan e a aceitação deslumbrada da população, veio para desestabilizar o que ainda resta dos contornos do mundo pós Guerra-Fria. Confusões nada liberais para provocar a inflexão final — quando será? —, aproveitando o rastilho de pólvora que queima desde 2008.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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